O GURU QUE FAZ USO DO AYAHUASCA É ACUSADO DE ABUSO SEXUAL

Prem Baba diz que refletirá sobre as relações humanas e nega abusos

Acusado por discípulos, o guru diz que manteve relações consensuais e que não vê contradição em suas ações e discursos

POR JULIANA DAL PIVA

O guru Prem Baba – Raphael Lucena / Agência O Globo

Nos últimos 15 dias três mulheres relataram a ÉPOCA ter mantido relações sexuais com o Sri Prem Baba e dizem ter sido vítimas de abuso. Elas pediram sigilo sobre sua identidade para evitar a exposição das famílias. Uma delas, que conheceu o guru em 2016, diz que foi chamada para uma “sessão terapêutica” de tantra. “Nas primeiras duas experiências, senti nojo. Na segunda, fui ao banheiro e vomitei. Ele disse que era assim mesmo, que eu estava expurgando as dores.” Segundo ela, na terceira sessão, o guru trouxe sua shakti, Marcela Zuccon, uma mulher designada como sua companhia feminina. “Ele trazia a shakti dele e se masturbava na minha frente, enquanto ela me massageava. Eu fechava os olhos, não sentia desejo algum por ele. É asqueroso reviver tudo isso novamente e sinto muita vergonha. Nesses oito meses, eu me sentia suja”, contou a mulher.

V

Outros discípulos afirmaram que o mestre se aproveitava da boa vontade da comunidade, que sempre contribuía financeiramente com seus projetos, para enriquecer. Antes da primeira viagem para a Índia, ele tinha apenas um automóvel Tempra dourado e um terreno de 400 metros quadrados em Mairiporã, Região Metropolitana de São Paulo, agora ele possui ao menos quatro apartamentos, entre eles uma cobertura comprada por R$ 1,7 milhão. É dono de oito empresas no Brasil e uma agência de turismo na Índia. Prem Baba só aceita viajar em classe executiva. Em São Paulo, desloca-se em um Mitsubishi Outlander branco.

Ele chegou a agendar um horário em 27 de agosto e cancelou horas antes do encontro, o que ocorreu três dias antes das denúncias de abuso de seus discípulos. Nas últimas duas semanas novas tentativas foram feitas. Na quarta-feira (12), ele concordou em responder a alguns questionamentos somente por e-mail, ocasião em que negou outra vez que as acusações feitas por mulheres de sua comunidade sejam casos de “abuso”. Confira:

Conversamos com sete pessoas que estiveram na reunião na qual o senhor foi confrontado com as acusações de abuso de duas discípulas. As mulheres dizem que não ficou claro que passariam por exercícios de tantra, e que não sabiam a que estavam submetidas e que sentem que a confiança que existia da relação guru-discípulo, de uma entrega total, foi quebrada. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Os fatos sobre os quais conversamos ocorreram há mais de dez anos e se trataram de relação ocorrida de maneira consensual. Reconheci inclusive uma relação que durou por volta de dois anos. Havia amizade e amor e, mesmo depois do término, perduraram a convivência e a amizade até o mês passado. Hoje, sentimentos afloraram juntamente com decepções e mágoas. Compreendo esses sentimentos e sempre refletirei sobre as relações humanas e suas tensões emocionais, mas, definitivamente, não houve abuso.

Elas dizem também que sofreram pressão psicológica para manter silêncio justamente devido à relação guru-discípulo. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

O silêncio recíproco foi consequência natural da relação consensual, visto que havia pessoas que ainda mantinham compromissos conjugais à época.

Na reunião, o senhor disse que seriam apenas esses dois casos, mas conversamos com uma terceira mulher que diz que também foi submetida a “exercícios de purificação”. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Reitero que tive relação consensual e desconheço por completo essa afirmação. Lamento que decepções pessoais e individuais, compreensíveis em uma relação emocional que chega ao fim, sejam agora objeto de um processo de tentativa de desconstrução de um projeto espiritual e coletivo muito maior que os indivíduos que o compõem.

Duas dessas três mulheres mencionam que o senhor levava uma mulher a quem se refere como “sua shakti” para essas “sessões terapêuticas”.

As relações estabelecidas foram de comum acordo e não me sinto no direito de expor outras pessoas.

As mulheres negam que tenham mantido relações amorosas com o senhor. Não existe chance de o senhor ter confundido as coisas?

Compreendo os sentimentos humanos. Não posso responder pelos sentimentos havidos por outras pessoas, mas sei que, ao longo de quase dois anos de relação consensual, meu sentimento foi de carinho, amor e amizade. Mesmo quando optamos por nos afastar, continuamos com muito carinho e amizade pelos últimos dez anos, até recentemente.

Essas pessoas que estavam na reunião dizem que o senhor teria feito um acordo com o grupo para a redação de uma carta na qual reconheceria seus erros, cancelaria completamente a temporada nos EUA e abdicaria de seu papel como guru. O senhor não fez esse acordo? Por qual razão desistiu de escrever a carta?

O diálogo e a compreensão são qualidades que sempre preguei. Mesmo naquele momento de intensa agressividade por pessoas que se sentiam decepcionadas pela relação extraconjugal ou pelas consequências do fim de uma relação consensual, procurei e procurarei dialogar e compreender. Compreendi que não deveria ter me envolvido com alguém ainda comprometida, compreendi que decepcionei a amizade do seu companheiro, compreendi que superestimei a amizade e o amor por uma pessoa que eu conhecia e convivia muito proximamente havia mais de dez anos à época. A partir disso, fiz um breve pronunciamento a nossa comunidade e creio que milhares de pessoas compreendem o momento de tristeza pelo qual estamos passando e a necessidade de recolhimento e reflexão. Tenho confiança no trabalho coletivo que resultou na transformação de milhares de vidas ao redor do mundo e que agora estão em corrente de oração para que consigamos atravessar este momento.

No vídeo que o senhor gravou para a comunidade, a sua versão é a de que não esteve em celibato completo durante todo o tempo. Então por que razão só agora, quando foi confrontado pelas mulheres, é que o senhor assumiu que mantém sua sexualidade?

Esse é um processo de desenvolvimento espiritual. Minha intimidade foi invadida e profanada sem nenhum respeito e cuidado, despedaçando o coração de milhares de pessoas. Temos inúmeras maneiras de ensinar. E minha obra diz muito sobre o valor de amar e ser livre, nome de meu livro. Não consigo saber exatamente o que está impulsionando isso, mas lamento a tentativa de desconstrução de um projeto espiritual e coletivo de tamanha importância como o que estamos construindo.

O senhor não se sente em contradição com tudo que escreveu em seus livros e pregou sobre o assunto?

Em hipótese alguma. A sexualidade não se opõe à espiritualidade. Falei em diferentes discursos e também no meu livro Amar e ser livre que a sexualidade é eminentemente sagrada. Que ela não se opõe à espiritualidade. Que o Bramacharya é um florescimento em que a energia é direcionada para Deus, mas não existe repressão. Somos livres. Não me foi pedido voto de castidade ou pobreza. Posso até mesmo fazer sexo. Isso não afetaria em nada minha consciência. Mas hoje, no meu caso, escolho ficar sem sexo pois naturalmente minha energia se eleva e é direcionada ao serviço espiritual. Nunca fiz apologia à repressão sexual. Nunca fiz apologia à pobreza. Assim como não faço apologia à dependência ao Mestre. Meus discursos são bem claros. Estou sempre repetindo inúmeras vezes que o foco é na espontaneidade, na naturalidade, na lembrança de si mesmo.

Por qual razão o senhor esconde que ainda promove cerimônias com chá de ayahuasca?

Eu não escondo isso. Sou herdeiro de uma tradição ayausqueira que tem como filosofia a discrição. Não devemos fazer propaganda de tal trabalho pois consideramos que isso seja um erro fraternal. Não estou mais à frente dos trabalhos regulares, como fazia antes, devido à falta de tempo. Hoje dou suporte espiritual para os trabalhos e frequento a sessão eventualmente. Acho isso mais um abuso e desrespeito a todos que espiritualmente estejam envolvidos na tradição e na filosofia. Mais uma vez, lamento a tentativa de desconstrução da fé e da confiança de milhares de pessoas e, assim, tentar destruir o trabalho genuíno de 20 anos que eles mesmos, até o mês passado, estavam ajudando a desenvolver e usufruindo dele. Isso tudo é um grande aprendizado.

Muitas pessoas se sentem enganadas ao terem doado para a produção da sua “obra”, mas não terem visto um trabalho humanitário real. O senhor não se sente incoerente ao pedir inúmeras doações para produção de seus projetos possuindo quatro apartamentos em São Paulo?

São coisas distintas. Há o projeto coletivo do qual faço parte, no qual há intenso trabalho de caridade, ao qual dedico a maior parte do tempo gratuitamente durante temporadas e para o qual há doações feitas de maneira voluntária para manter a estrutura e viabilidade desse trabalho. Na Índia mantenho o Ashram, alimentação para cerca de 400 pessoas diariamente. Mantenho uma escola infantil que acolhe cerca de 300 crianças que vivem abaixo da linha da pobreza. Damos escola, materiais, roupas e tudo mais. Tem o Ashram de Nazaré também. Além disso mantemos o projeto de fazer com que autoconhecimento aconteça em escala por meio de campanhas e intensa presença na internet. E dedico também parte do meu tempo para outro projeto, também coletivo, do qual faz parte um grupo enorme de pessoas e colaboradores. Nesse, tanto eu como outros profissionais se envolvem em workshops, retiros, livros, palestras e outras atividades que significam resultado econômico para mim e muitos outros. E, sim, consegui algum patrimônio que me ajudou a continuar o projeto e cuidar de minha família. Dois desses apartamentos estão alienados ao consórcio. Não há contradição alguma. Todo o meu empenho é para fazer deste mundo um lugar melhor para vivermos.

Por qual razão a Shakti figura como proprietária da Awaken Love Shop?

Essa é uma empresa que está registrada na Junta Comercial do Estado de São Paulo, e sua titularidade é uma informação pública.

O que o senhor diria para aqueles que se sentem vivendo em meio a uma mentira?

Tenho convicção dos esclarecimentos dos fatos e de que o tempo permitirá a superação deste momento difícil. Não estou enganando ninguém. Gostaria de pedir compreensão por todos os envolvidos neste momento, com serenidade, paz e solidariedade, para que possamos ver que o trabalho realizado até aqui é muito relevante e que os sentimentos oriundos de relações de amor e amizade que se encerram são compreensíveis. Peço um pouco de paciência para atravessarmos esta que é sem dúvida a maior das provas da nossa jornada enquanto comunidade. E é também a minha maior prova enquanto um ser humano em desenvolvimento aqui neste planeta. Confio nos ciclos da vida e, apesar de estar vindo com muita dor para todos, está trazendo também uma transformação libertadora e luminosa.

 

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