12 fatos sobre o impasse político na Venezuela (e três perguntas sobre seu futuro)

12 fatos sobre o impasse político na Venezuela (e três perguntas sobre seu futuro)

País atualmente tem 2 presidentes, dois poderes legislativos e dois Supremos Tribunais de Justiça
Nicolas Maduro em sua posse no dia 10 de janeiro de 2019 Foto: Anadolu Agency / Getty Images
Nicolas Maduro em sua posse no dia 10 de janeiro de 2019 Foto: Anadolu Agency / Getty Images

1 – O presidente interino sem poder real (por enquanto)

Juan Guaidó, presidente do Parlamento, de maioria opositora, assumiu na sexta-feira (11)  a presidência da República da Venezuela de forma interina. Ele argumenta que o artigo 333 da Constituição nacional elaborada por Hugo Chávez em 1999 obriga os venezuelanos a lutar pela restituição da ordem constitucional. E, desta forma, o Parlamento considera que Nicolás Maduro não é mais presidente da Venezuela devido às várias violações que ele cometeu com a carta magna.

No entanto, embora seja a primeira vez que a oposição dê um passo explícito para substituir Maduro, o anúncio é simbólico, já que o regime chavista anulou o poder do Parlamento. Além disso, Maduro conta com o respaldo dos militares.

Ou seja, por um lado essa declaração do Parlamento não remove Maduro do poder. Mas, por outro, a oposição define, depois de dois anos de fragmentação e divergências internas profundas, quem é o interlocutor com o mundo exterior, pegando carona na decisão dos governos dos países do Grupo de Lima, que declararam que desde o dia 9, a única autoridade legítima que reconhecem na Venezuela é o Poder Legislativo.

Luis Almagro, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, a OEA, declarou que considera Guaidó como presidente provisório. Uma pesquisa da consultoria Meganálisis  sustenta que 81,3% dos entrevistados apoiariam um governo de transição.

]Mas vamos rebobinar e ver, nos seguintes pontos, como a situação chegou ao estado atual….

2 – O motorneiro que virou ditador

Nicolás Maduro foi um motorneiro do metrô de Caracas despedido por faltar demais ao trabalho. Na sequência entrou na política, pegando carona no movimento que o tenente-coronel paraquedista Hugo Chávez estava liderando na segunda metade dos anos 90. Com um discurso populista e nacionalista, Chávez foi eleito presidente em 1998 e tomou posse em 1999. Maduro foi eleito deputado. Gradualmente foi subindo na hierarquia chavista, até que transformou-se em chanceler.

Em 2012 Chávez disputou mais uma reeleição, afirmando que estava curado do câncer que havia sofrido. Foi reeleito. Mas dias depois, em dezembro, confessou que continuava com a doença. Chávez partiu para Cuba para mais um tratamento. No entanto, antes de partir, designou Maduro para o posto de vice-presidente e declarou que era seu “herdeiro”. Maduro, que a partir dali se auto-denominaria de “filho de Chávez”, exerceu o cargo de presidente interino.

A morte de Chávez foi oficialmente anunciada em março de 2103 e Maduro anunciou que seriam convocadas novas eleições e que ele seria candidato. A lei estipulava que, por Chávez não ter completado um ano de novo mandato, a presidência do país teria que passar para o presidente do Parlamento, Diosdado Cabello, enquanto fosse realizada a campanha eleitoral. No entanto, Cabello era o maior rival de Maduro dentro do chavismo. Desta forma, Maduro violou a constituição, ignorando essa norma. Ele permaneceu no posto enquanto realizava a campanha. Cabello ficou a ver navios: nunca assumiu a presidência da República.

Maduro venceu a eleição por uma apertada margem de 1,49% dos votos contra o opositor Enrique Capriles, que sustentou que o chavismo havia feito uma fraude. A partir daí Maduro iniciou um período de 6 anos que levaria a Venezuela – além do colapso econômico – a um regime totalitário.

3 – Um supremo express

Uma das medidas totalitárias de Maduro ocorreu em dezembro de 2015, quando a oposição, pela primeira vez desde a chegada do chavismo ao poder, derrotou o governo nas eleições legislativas. Ela conseguiu dois terços do Parlamento, fato que equipararia o poder dos deputados com o do presidente da República, podendo remover ministros, entre outras prerrogativas.

Maduro, correndo contra o relógio antes da posse dos novos deputados, pressionou 13 juízes a se aposentar antecipadamente. Isso para aproveitar um Parlamento ainda favorável para, em uma maratona de 4 sessões parlamentares em apenas 2 dias, designar os novos juízes da Corte Suprema de Justiça, todos alinhados com o chavismo. Os venezuelanos denominaram este novo grupo de membros do Supremo de “juízes express”.

Entre os novos juízes do Supremo estavam ex-deputados chavistas e advogados de ministros do governo.

Juan Guaido, presidente do Congresso Nacional da Venezuela Foto: Roman Camacho / SOPA Images / LightRocket via Getty Images
Juan Guaido, presidente do Congresso Nacional da Venezuela Foto: Roman Camacho / SOPA Images / LightRocket via Getty Images

4 – Parlamento anulado por suposto desacato

Para evitar que a oposição tivesse exatamente dois terços do Parlamento, o chavismo acusou três deputados de terem feito fraude para serem eleitos. Desta forma, o Supremo determinou que eles não poderiam ser empossados. No entanto, o Parlamento decidiu empossar esses deputados. Por esse motivo, o Supremo, controlado pelo chavismo, declarou que o Parlamento estava em “desacato” com o governo Maduro e que todos seus atos poderiam ser ignorados totalmente por parte de Maduro dali para a frente. Isto é, a partir desse momento o Parlamento ficou virtualmente anulado. Para complementar a série de pressões, Maduro cortou as verbas do Parlamento, desde fundos para a manutenção do prédio, passando pelos salários dos deputados, faxineiros e todo tipo de funcionários da casa.

5 – Uma “incansável” assembleia constituinte sem prazo para acabar

O Parlamento estava anulado, mas continuava existindo. Para acabar com esse obstáculo simbólico, mas tentando mostrar uma fachada de “democracia”, Maduro, em vez de fechar o Parlamento totalmente, decidiu criar uma entidade paralela, a Assembleia Nacional Constituinte. Ele declarou que a Constituinte, além de formular uma nova carta magna, teria funções legislativas de forma simultâneas.

A jogada de Maduro teve efeitos colaterais para o regime, já que muitos chavistas tradicionais consideraram que Maduro estava cometendo uma “heresia” ao acabar com a constituição de 1999, criada por Hugo Chávez, considerada sacrossanta pelos militantes. A medida de Maduro acelerou a debandanda de simpatizantes, o que provocou o surgimento de uma dissidência chavista.

Em meados de 2017, quando a oposição realizava manifestações quase diárias em protestos contra Maduro, o regime convocou eleições para a Constituinte, que foi formada 100% por membros chavistas. Os eleitores tiveram que votar apresentando o “carnê patriótico”, uma espécie de cartão de racionamento com o qual os venezuelanos conseguem adquirir um raso complemento alimentício.

As constituintes geralmente contam com um prazo máximo de duração. No caso da constituinte de Maduro, não há prazo algum. Mas, segundo o presidente da Constituinte, Diosdado Cabello, seus membros trabalham de forma “incansável”.

6 – Referendo sobre Maduro eleminado pelo próprio Maduro

A constituição venezuelana não tem um mecanismo de impeachment pelo Parlamento. Mas, na década passada, o presidente Hugo Chávez colocou na carta magna uma forma alternativa, que constitui um mecanismo de consulta popular, por intermédio de um referendo, para a remoção de um presidente do poder. Primeiro a oposição precisa conseguir as assinaturas de 1% do eleitorado. Depois, em uma segunda etapa, precisa obter 20% das assinaturas. E aí, se consegue esse patamar, a Justiça Eleitoral tem que convocar o referendo.

Em 2016 a oposição tinha feito a 1ª fase e estava com tudo pronto para a 2ª etapa. No entanto, Maduro, categoricamente, cancelou a realização dessa fase, impedindo o referendo que o poderia retirar do poder.

Em 2017 a oposição decidiu fazer um plebiscito por conta própria para perguntar aos venezuelanos se queriam a permanência – ou não – do atual governo e se desejavam impedir a implantação da inconstitucional Assembleia Constituinte. De forma artesanal – e enfrentando ameaças de grupos governistas aos eleitores — a oposição conseguiu um plebiscito do qual participaram 36% dos votantes. Votar foi uma epopeia na ocasião. No entanto, Maduro ignorou a votação.

Manifestantes protestam contra Maduro, com faixa
Manifestantes protestam contra Maduro, com faixa “Fora, tirano usurpador” Foto: Roman Camacho / SOPA Images / LightRocket via Getty Images

7 – Vitória “esmagadora” em eleições presidenciais antecipadas e sem rivais opositores

Em 2018 as eleições presidenciais deveriam, por lei,  acontecer em dezembro. No entanto, Maduro ignorando a constituição, as antecipou para maio. Foram eleições “fake”, já que o cenário eleitoral foi parecido ao de um W.O. Esta expressão, usada para indicar que alguém vence quando o rival não está em campo (porque faltou, porque desistiu ou porque foi desclassificado) surgiu nas corridas de cavalo na Inglaterra no século 19, onde, nas ocasiões nas quais ficava um único competidor, era preciso que o cavalo percorresse toda a pista para que o triunfo fosse reconhecido.

E a coisa na Venezuela foi assim: os “cavalos” competidores de peso foram proibidos de participar. Isto é, os líderes opositores importantes foram presos, levados ao exílio ou impedidos de disputar eleições por longos anos. Maduro só teve que enfrentar candidatos que eram opositores “pero no mucho”, já que eram três chavistas dissidentes, dois dos quais totalmente desconhecidos do grande público. Isto é, eram “pangarés” nessa corrida.

Resultado: uma abstenção recorde: segundo os números oficiais, do total de 20 milhões e meio de eleitores, somente 9 milhões e meio compareceram às urnas. Maduro teve pouco mais de 6 milhões de votos úteis. Isso significou 67% dos votos úteis. Mas, na realidade, levando em conta o total do eleitorado, Maduro foi reeleito com apenas 30% do total dos votantes habilitados da Venezuela.

Por esse motivo, segundo a oposição, essa eleição passará à História como “A rebelião das ruas vazias”.

8 – 2018, oposição fragmentada e manifestantes assustados

Em 2017, entre abril e julho, a oposição realizou manifestações diárias nas ruas das cidades venezuelanas. Centenas de milhares de pessoas participaram desses protestos. No entanto, a repressão de Maduro foi feroz. Por intermédio da Guarda Nacional Bolivariana e dos grupos paramilitares, mais de 150 civis que participaram das manifestações foram assassinados. Centenas foram presos, dezenas torturados.

Isso gerou medo na população, que foi deixando de participar. Com as marchas esvaziadas, a oposição, reunida na coalização Mesa de Unidade Democrática, começou a se fragmentar. Desta forma, 2018 foi um ano relativamente confortável para Maduro no âmbito interno, já que as pressões nacionais foram menores. Enquanto isso, aumentavam as pressões na esfera internacional. Cada vez mais governos da região começaram a criticar Maduro, desde o presidente Macri, da Argentina, de centro-direita, até o equatoriano Lenin Moreno, de esquerda, um ex-bolivariano.

9 – 2019, oposição encorajada, manifestantes com novas modalidades de protestos

2019 começou com um mapa ideológico regional mais favorável para um cenário de pressões na América Latina contra Maduro. Além disso, a decisão dos países do Grupo de Lima de declarar que não reconheceria o novo mandato presidencial de Maduro encorajou o Parlamento de oposição em Caracas. Que, pela primeira vez, assumiu um passo explícito para auto-declarar-se como o único poder legítimo no país.

Esta guinada também coincide com o ressurgimento, desde o segundo semestre do ano passado, das manifestações contra Maduro. Mas, em vez dos protestos em grande escala de 2014 e 2017, estas manifestações agora são com dezenas ou centenas de pessoas, que fazem de forma rápida protestos por assuntos pontuais, entre os quais falta de alimentos, aumento dos preços dos medicamentos, baixos salários, entre outros.

10 – Militares, o derradeiro pilar de Maduro

Ao longo da últimas duas décadas as forças armadas conseguiram muitos privilégios do chavismo, entre os quais um banco próprio, canal de TV, subsídios especiais para alimentos, automóveis e moradias. Mas, com Maduro, esses privilégios cresceram de forma exponencial, transformando a Venezuela no país da América do Sul que tem a maior participação de generais na estrutura governamental desde o fim das ditaduras militares dos anos 70 e 80. Um terço dos ministros são militares, bem como metade dos governadores.

Guarda venezuelano em trajes tradicionais durante posse de Nicolas Maduro Foto: Rayner Pena / picture alliance via Getty Image
Guarda venezuelano em trajes tradicionais durante posse de Nicolas Maduro Foto: Rayner Pena / picture alliance via Getty Image

Além disso, os militares administram a estatal petrolífera PDVSA e controlam a distribuição de alimentos em todo o país. De quebra, as forças armadas ganharam de Maduro o presente da concessão de vastas áreas de mineração. Os analistas são unânimes em afirmar que o derradeiro pilar do poder de Maduro são os quartéis.

11 – Carne sem sal, sal sem carne

O analista politico venezuelano Luis Vicente Leon sustenta que os protagonistas da remoção de Maduro do poder devem ser os próprios venezuelanos. Para explicar o assunto, fez uma analogia culinária: “A pressão internacional é um condimento crucial, como o sal, para ganhar poder de negociação. Mas o prato principal é como um bife, isto é, é a articulação interna ao redor de líderes capazes de motivar as pessoas a defender seus direitos. Você pode comer carne sem sal, mas não sal sem carne…”

12 – Servem de algo as pressões diplomáticas internacionais?

A Venezuela foi suspensa do Mercosul em 2016. Mas isso não abalou o governo Maduro, já que seu país nunca havia se integrado ao bloco do Cone Sul. Semanas atrás os países do Grupo de Lima, os Estados Unidos e diversos outros países declararam que não reconhecem este novo mandato de Maduro. No entanto, Maduro conta com o respaldo da China e da Rússia, que financiam parte da dívida venezuelana.

Maduro sofre pressões financeiras específicas dos EUA. Mas os EUA continuam comprando petróleo venezuelano e vendendo produtos americanos para esse país caribenho. Os analistas ressaltam que um eventual embargo de produtos só aumentaria o sofrimento da população venezuelana (e incrementaria o êxodo de venezuelanos rumo aos países da região). Eles também destacam que o embargo aplicado por Cuba de nada serviu, já que o regime castrista continua no poder há 60 anos.

13 – É possível uma intervenção estrangeira na Venezuela?

A ONU pode “invadir” a Venezuela? Não, não pode nestas circunstâncias. Não é como o Iraque, que em 1991 invadiu o Kuwait. Maduro gostaria de invadir a vizinha Guiana, da qual reivindica a região de Esequibo, que representa 60% de seu território. Mas ele sabe que essa aventura bélica implicaria em seu fim.

A ONU tampouco poderia intervir alegando uma guerra civil, já que, por enquanto, não existe esse cenário. O requisito sine qua non para uma guerra civil é a luta armada em grande escala entre dois ou mais lados. Mas não ocorre uma guerra civil ali, já que o único lado que está armado é o governo. E, mesmo que houvesse uma guerra civil, uma intervenção só poderia ser implementada com o OK do Conselho de Segurança da ONU. E ali participam a China e a Rússia, aliadas de Maduro, que não autorizariam tal tipo de medida.

Os Estados Unidos poderia invadir a Venezuela? Poder, os EUA sempre podem, pois têm armas suficientes para fazer essas coisas sem se importar com a opinião pública mundial. No entanto, poderia ser um tiro pela culatra e gerar mais problemas, como no Iraque ou Líbia, onde a situação, que era ruim, ficou pior. E uma guerra geraria mais pessoas saindo da Venezuela rumo ao Brasil, Colômbia, entre outros países.

Manifestante com os dizeres
Manifestante com os dizeres “Juan Guaido presidente legítimo ante o mundo” Foto: Roman Camacho / SOPA Images / LightRocket via Getty Images

E, levando em conta a série de milícias, grupos paramilitares chavistas, etc, uma invasão da Venezuela pode acabar em uma interminável guerra de guerrilhas na Venezuela…isto é, bem ali na fronteira com o Brasil.

14 – Mas então, quando o drama Venezuelano vai terminar?

Impossível prever. Maduro tomou posse em abril de 2013 e em dezembro daquele ano muitas pessoas diziam “ele cai do governo em 2014”. Mas 2014 passou e outras pessoas diziam que ele não conseguiria completar 2015… e assim por diante. Ele ainda está aferrado ao poder. Mas como um governo péssimo pode durar tanto tempo? Bom, a História da Humanidade está cheia de exemplos do gênero, e até mais longos do que esse…

15 – E antes de encerrar, um detalhe sobre a inflação de instituições na Venezuela

Em 2017 o Parlamento decidiu designar um novo Tribunal Supremo de Justiça. Mas, dias depois, quase todos os juízes desse TSJ paralelo tiveram que fugir da Venezuela. Há poucos dias declararam que o novo mandato de Maduro é “ilegítimo” e que só reconhecem Gaidó como presidente inteiro do país.

Isto é, atualmente a Venezuela tem 2 presidentes (um, de facto; outro interino e por vias parlamentares), dois poderes legislativos (o Parlamento por um lado, e a Constituinte – com poderes adicionais para legislar por outro) e dois Supremos Tribunais de Justiça (um composto pelos juízes express e outro no exílio).

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