8 de Janeiro: autoridades revelam bastidores dos ataques, 6 meses depois

023, 16:05 8 de Janeiro: autoridades revelam bastidores dos ataques, 6 meses depois

Brasil
8 de Janeiro: autoridades revelam bastidores dos
ataques, 6 meses depois
VEJA publica relatos exclusivos de um representante de cada Poder sobre os momentos marcantes do
epicentro de um dia triste que não pode ser esquecido
Por Laryssa Borges, Marcela Mattos, Leonardo Caldas Atualizado em 7 jul 2023, 10h30 – Publicado em 7 jul 2023, 06h00
Dependendo do observador, os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 podem ser vistos,
interpretados e mensurados de ângulos e maneiras diferentes. Uma constatação, porém, é
inegável à luz dos fatos: a invasão e a depredação das sedes dos Três Poderes passaram para
BARBARIDADE – 8 de janeiro de 2023: vândalos invadiram o Congresso, o Supremo e o Palácio do Planalto (Montagem com fotos de Evaristo Sa/AFP;

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a história como o dia em que a democracia brasileira foi insultada e afrontada em sua
essência por bárbaros agindo sob o impulso de mentes perturbadas que se escondiam — e
ainda se escondem — nas sombras. Foi um domingo em que milhões de brasileiros
acompanharam, atônitos, cenas execráveis dentro do Palácio do Planalto, do Congresso
Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). Seis meses depois, as autoridades ainda
divergem sobre o que exatamente teria motivado os ataques. Para uns, foi o primeiro ato de
um golpe de Estado que não se concretizou. Para outros, uma baderna derivada do
extremismo político.
Era um fim de semana como outro qualquer em Brasília. O presidente Lula visitava bairros
atingidos por uma enchente em Araraquara (SP). Com o recesso parlamentar, o senador
Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso, passeava em Paris. O presidente da Câmara,
Arthur Lira, descansava numa praia em Maceió. Rosa Weber, presidente do STF, era uma
das poucas autoridades que estavam na cidade, quando milhares de apoiadores do expresidente Jair Bolsonaro deixaram um acampamento montado no QG do Exército em
direção à Esplanada. No dia anterior, a Polícia Federal havia advertido sobre a possibilidade
de a manifestação descambar para atos de violência. Não houve, porém, reforço algum na
segurança.
O Congresso foi o primeiro prédio a ser atacado. Os vândalos quebraram os vidros,
destruíram equipamentos, depredaram obras de arte e, de lá, seguiram em direção ao
Planalto. Sem resistência, subiram a rampa do palácio e foram arrebentando tudo que
encontravam pela frente, até chegar ao gabinete do Presidente da República. A terceira e
última escalada foi a que deixou o maior rastro de devastação. Os criminosos atearam fogo
no plenário do Supremo, picharam as paredes e simularam defecar sobre os móveis. Foram
quatro horas de barbárie. Vencida a perplexidade, as instituições reagiram com vigor. Mais
de 1 200 pessoas respondem hoje a processos, cerca de 250 estão presas desde então e uma
Comissão Parlamentar de Inquérito foi criada para apurar o caso. VEJA publica relatos
exclusivos de um representante de cada Poder sobre os momentos marcantes que ficaram
na memória de quem esteve no epicentro de um dia triste que não pode ser esquecido.
FLÁVIO DINO: “TEVE DEDOS EM RISTE DE LADO A LADO”
Nervoso, o ministro da Justiça discutiu com generais, diz ter certeza de que houve uma
tentativa de golpe contra o presidente Lula e afirma que os militares estavam torcendo
por uma virada de mesa
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Eu estava em estado de alerta elevado pelo extremismo daquele pessoal acampado nos
quartéis, mas tomei meu café da manhã naquele domingo com a certeza de que todas as
providências em relação aos protestos haviam sido garantidas. Logo cedo, recebi uma
mensagem do governador do Distrito Federal com relatos de absoluta calmaria. Na
sequência, o ministro da Defesa me repassou informações semelhantes. Fui almoçar com
minha esposa e meus filhos na casa de um parente a 40 quilômetros da Praça dos Três
Poderes. Mal tinha chegado ao local e recebi os primeiros informes de que as coisas não
estavam indo bem: vândalos não estavam respeitando os pontos de contenção da Polícia
Militar e haviam rompido uma barreira de segurança. Percebi que a coisa poderia sair do
controle e rumei para o ministério. Era apenas o início de um dia que ainda não acabou. A
invasão do Congresso aconteceu diante dos meus olhos. Da janela do meu gabinete, vi
quando a multidão derrubou as grades, jogou uma viatura no espelho d’água e escalou o
prédio. Havia uns poucos policiais tentando conter os criminosos. Entrei em pânico. Era
preciso falar com o presidente. Aquela invasão poderia incentivar protestos similares em
todo o Brasil. Lula estava vendo pela TV. Ficamos com medo de perder o controle do país.
Se aquilo se multiplicasse, não teríamos força para superar. O golpe seria consumado.
Nervoso, xinguei o Bolsonaro, o bolsonarismo, xinguei quem havia tramado aquilo e as
forças de segurança que permitiram aquele caos. Invadiram o Planalto e estavam
quebrando tudo. Da minha janela vi uma fumacinha preta subindo do prédio do Supremo.
Estavam tocando fogo no STF. O caos havia se espalhado. Era preciso agir rápido. Minha
ordem era prender todo mundo. Mas nem isso foi possível de imediato.
ESTOPIM DO LEVANTE - Flávio Dino: ele viu da janela do seu gabinete o momento em que os vândalos iniciaram a
destruição (Andre Ribeiro/Futura Press)
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Depois da destruição, deu-se um embate com os militares. Fui ao Quartel do Exército e
disse que a gente ia prender todo mundo que estava no acampamento. Foi quando vi
tanques saindo de uma ruazinha. Se alguém ainda tinha alguma dúvida de que um golpe
estava em andamento, ela se dissipou naquele momento. A maioria do Alto-Comando torcia
— e friso este verbo, torcia — para que o levante tivesse dado certo. Repeti sem parar para o
comandante do Exército: ‘General, nós vamos pegar todos, sem exceção. É a minha ordem’.
Ele tentou crescer para cima de mim. Teve dedos em riste de lado a lado. A adrenalina
estava a mil. Eu repetia: ‘Estão todos presos, estão todos presos’. Ele dizia: ‘Não, não, não’.
No meio dessa discussão, outro general interveio e disse que a polícia nunca tinha entrado
no quartel para prender pessoas. Essa é uma evidência acima de qualquer dúvida razoável
de que havia a simpatia nas Forças por uma virada de mesa. O Exército estava dividido
entre bolsonaristas golpistas e bolsonaristas legalistas, mas sempre bolsonaristas.
Diante de um confronto iminente, concordamos em efetuar as prisões dos golpistas apenas
no dia seguinte. Vendo hoje, seis meses depois, acho que foi o certo a fazer. Se fosse
diferente, seria perigoso para as pessoas e talvez pior ainda para a democracia. Imagina a
PM de um lado e o Exército do outro… Meu pai era deputado estadual quando foi cassado
em 64, depois do golpe militar. Isso marcou a minha vida. No dia 8 de janeiro, testemunhei
uma tentativa de golpe da minha janela. Alguns negacionistas dizem que aquilo foi mera
arruaça, coisa de baderneiros. Não foi. No auge da pandemia, quando não tinha mais vaga
de hospital no Maranhão para internar os doentes, irado, soquei a parede. Naquele dia não
soquei a parede, mas tive vontade de socar certas pessoas.
GILMAR MENDES: “FELIZMENTE ISSO ACONTECEU EM JANEIRO”
Decano do Supremo Tribunal Federal, que chorou ao ver os escombros, destaca a forte
reação das instituições e diz que o ataque teria desfecho imprevisível caso tivesse ocorrido
durante o governo de Jair Bolsonaro

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