A coragem de certos juízes, como Eduardo Cubas, empurra o Judiciário para as teias da Lava Jato

A coragem de certos juízes, como Eduardo Cubas,

empurra o Judiciário para as teias da Lava Jato

 

Liberato Póvoa

 

Em 2011, quando Corregedora Nacional de Justiça, a ex-ministra Eliana Calmon ela afirmou que “bandidos de toga” (famosa expressão de sua lavra) estavam infiltrados no Judiciário. A afirmação colocou-a na época em rota de colisão com associações de juízes e magistrados. Seis anos depois, com o país mergulhado no escândalo de corrupção da Petrobras, que mobilizou juízes de diversas instâncias com processos da Operação Lava Jato, Calmon voltou à carga, e afirmou ser preciso apurar a responsabilidade do Judiciário nos casos de escândalos de corrupção.

Embora tenha confessado haver tido como padrinho político seu conterrâneo Antônio Carlos Magalhães para chegar ao STJ, Eliana simbolizava a intolerância com a interferência de políticos na Justiça, mas, embalada pela notoriedade adquirida no seu mandato de Corregedora, iludiu-se com a política, ouviu o canto da sereia e antecipou sua aposentadoria em mais de um ano para candidatar-se ao Senado pela Bahia, quando experimentou na própria carne os efeitos do cipoal da política: ficou em terceiro lugar na disputa, com míseros 6,5% dos votos, e, um ano depois, candidatou-se a síndica do luxuoso “Edifício Oceânia”, onde morava, em Salvador, perdendo para o empresário Sérgio Bezerra, dono do famoso bar “Habeas Copos”. Visitando meu primo e velho professor Tasso Jacobina em Salvador, ele me mostrou o “Edifício Oceânia” e o bar “Habeas Copos”, de amarga lembrança para Eliana Calmon.

Agora, aos 74 anos, despojada da importância da toga, mas mantendo a incomodante franqueza que sempre a caracterizou, avalia, friamente, que a Lava Jato foi um divisor de águas para o país, pois a partir dela vieram à tona as entranhas do poder brasileiro, e sua relação com a corrupção em todos os níveis de Governo.

Disse que para que tudo isso ficasse muito claro, o Judiciário teria que ser passado a limpo de fato, e qualquer operação precisa se estender a todos os Poderes. Muitos fatos que  envolvem o Executivo e o Legislativo já vieram à tona, mas o Judiciário ficou na sombra, sendo o único Poder que se safou até agora. A imprensa tem muito medo da magistratura.

Li no ano passado na “Folha de São Paulo” matéria do jornalista Frederico Vasconcelos, que amplia o leque de desconfianças que o jurisdicionados nutrem pelo Superior Tribunal de Justiça, autodenominado “O Tribunal da Cidadania”.

No seu bem colocado artigo, ele mostra, com clareza meridiana, como aquela Corte vem a reclamar a abertura de uma “caixa preta” que pode ludibriar o jurisdicionado, semeando a incerteza na imparcialidade de suas decisões. E o CNJ, incumbido de julgar os eventuais desvios de conduta de magistrados, nitidamente se recusou a apurar, por exemplo, a forma como o ministro Navarro Ribeiro foi nomeado para o STJ, com a especial incumbência de livrar da cadeia empresários envolvidos na Lava Jato, segundo delatou o senador Delcídio do Amaral; e, realmente, o ministro Navarro cumpriu o que prometera em troca da nomeação: foi o único voto vencido, pela concessão de HCs, no julgamento de empresários. Evidentemente, a apuração contra o ministro pode depois fazer a Lava Jato cair no colo do STJ. E aí a coisa vai pegar.

Segundo aquela matéria de Frederico Vasconcelos, estão registrados como advogados no STJ parentes de Francisco Falcão (ex-presidente e ex-Corregedor Nacional de Justiça), Laurita Vaz (ex-presidente), Felix Fischer, João Otávio de Noronha (atual presidente do STJ e ex-Corregedor Nacional de Justiça), Humberto Martins (atual Corregedor Nacional de Justiça e próximo presidente do STJ), Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino, Sebastião Reis, Marco Buzzi e Marco Bellizze.

Em março de 2017, naquele meu mencionado artigo aqui publicado, falei que o então presidente daquela Corte, ministro Francisco Falcão, proferiu quatro decisões, todas favoráveis à parte representada por seu filho, o advogado Djaci Alves Falcão Neto (que, por linhas oblíquas, foi o responsável pelo afastamento e posterior aposentadoria compulsória do juiz Ari Queiroz).

E Frederico Vasconcelos amplia o leque de parentes: Djaci Falcão Neto, também conhecido por “Didi” e “Falcãozinho”, e a irmã, Luciana Tavares Falcão, “aparecem em 105 processos no STJ. Otávio Henrique Menezes de Noronha e Anna Carolina Menezes de Noronha, filhos do ministro Noronha, têm 115 processos no STJ; Eduardo Filipe Alves Martins, filho do ministro Humberto Martins, advoga em 18 processos na Corte (há mais um processo em nome de sua irmã, Laís Camila Alves Martins). Estão registrados 88 processos de Denise Campos Fischer e Octávio Campos Fischer, filhos do ministro Felix Fischer. Tramitam no STJ 66 processos em que são advogados Sérgio Marcus Hilário Vaz e Paulo Sérgio Hilário Vaz, filhos de Laurita Vaz. Quatro ministros do STJ confirmam que suas mulheres constam como advogadas no tribunal: Sebastião Reis, Benedito Gonçalves, Marco Bellizze e Marco Buzzi. Resumindo: há 1.166 processos em que Anna Maria da Trindade dos Reis, mulher de Reis, tem ou teve procuração nos autos. Atualmente, há 83 processos ativos em seu nome”.

Só para que o leitor imagine como prosperam esses filhos de ministros, basta dizer que o jovem advogado Otávio Henrique Menezes de Noronha possui em seu nome uma BMW 320I Advice Flex, ano 2013/2014, Placa OVV-5050 e uma BMW X 5, X Drive 300, ano 2014/2015 branca, Placa PAE-8527, a mesma que, segundo a revista Época de 14/03/2016, “quase invadiu a portaria do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República no período da manhã. O carro só não avançou mais porque teve os pneus furados ao passar por uma barreira de pregos. O carro, uma SUV branca, pertence a Otávio Henrique Menezes de Noronha. Ele é filho de João Otávio Noronha, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ)”. Procurado para comentar o episódio, o ministro afirmou em nota: “trata-se de um incidente que não causou nenhum dano, razão pela qual não há o que comentar”.

Se o pai de Otávio Henrique está hoje com 62 anos de idade, o filho deve ser muito jovem. Não obstante, registrou em 25/4/2014 a empresa “Otavio Noronha Advogados Ss Ltda”, CNPJ 20.298.951/0001-04, num privilegiado endereço: Quadra 05, Bloco K, Sala 609, S/N, Edif Ok Office Tower, Asa Sul, Brasília.

E surgiu na mídia (revista Veja de 22 de setembro de 2017, em matéria assinada poRodrigo Rangel e Daniel Pereira) sobre uma proposta da encalacrada JBS a ser feita a Anna Carolina Noronha, a Ninna, advogada e filha do ministro João Otávio Noronha, para interferir junto ao pai num milionário processo que estava em suas mãos para ser julgado. Coincidentemente, naquela edição os mesmos jornalistas noticiaram o acordo da JBS para patrocinar (com 7,5 milhões de reais entre 2008 e 2016) o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), do ministro Gilmar Mendes, tratado por Francisco de Assis e Silva, advogado e diretor jurídico do grupo comandado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista.

É por isso que o corajoso colega Eduardo Cubas, juiz federal de Formosa-GO, enfrentou o atual Corregedor Nacional de Justiça, quando, de dedo em riste, disse, deixando o ministro sem tugir nem mugir: “Não sou acusado de roubar ou de ser um bandido de toga, como muitos do Poder Judiciário. não tenho filho recebendo milhões de reais (…) o STJ hoje encontra-se temeroso com o que pode ser descoberto em razão de corrupção. (…) estranha-me muito a conduta de Vossa Excelência de mandar recolher os celulares ao me receber em seu gabinete. mas eu gravei nossa conversa. vossa excelência tem muito a explicar à sociedade”.

Assiste inteira razão ao colega: há quase três anos, a revista “Época” de 17/08/2016, na longa, minuciosa e documentada reportagem Filho de ministro do STJ recebeu R$ 10 milhões por processos de que não tinha procuração, mostra o advogado Eduardo Filipe Alves Martins, filho do próximo a ser presidente do STJ, ministro Humberto Martins, apesar da pouca idade, já pode considerar-se um milionário na advocacia, pelos documentos mostrados pela “Época”, e só em dois agravos em recursos especiais, de interesse da Fecomércio do Rio de Janeiro, abocanhou nada menos que dez milhões de reais de honorários, apesar de sequer ter procuração nos autos. Donde se conclui que ganhou pelo “lobby”. Filho de ministro: muito “lobby” e pouca petição.

Como o ministro Humberto Martins, protegido legalmente pela desnecessidade de declinar o motivo de uma suspeição “por motivo de foro íntimo”, não vai explicar o porquê de sua atitude em ter-se afastado da Ação Penal 690-TO de ter participado de um dos julgamentos, é de se concluir que não quer tocar aquele processo-abacaxi por receio de vir a ser reagitado o caso dos dez milhões que o filho recebeu, apesar de ter declarado à “Época” que “não converso com meu filho sobre processos. Não sei nem de quem ele é advogado e não falo com ministros sobre processos. Eu não sei nem o endereço do escritório dele em Maceió, só sei o bairro”.

Acontece que menos de dois anos depois da posse do ministro Humberto Martins no STJ (em 14/06/2006), seus filhos, Eduardo Filipe Alves Martins (OAB-DF 26.180 e 11.046-A) e Laís Camila Alves Martins (OAB-DF 36.185, OAB-AL 12.436-A e OAB-RJ 186.202 – Fone 61-3248-5909) abriram, em 06/03/2008, o “Escritório da Advocacia Martins”, CNPJ 09.429.991/0001-05, em endereço nobre de Brasília, no Lago Sul (SHIS – QI 9 – Conjunto 14, Lote 02). Mas mantiveram matriz em Maceió (Av. Dr. Antônio Gomes de Barros, 625 – Sala: 209; Edifício “The Square P. Office” – Jatiúca – Maceió/AL, com o CNPJ 22.532.721/0001-85, mas o telefone é o de Brasília), cujo endereço o ministro desconhece (“só sei o bairro”). Estranhíssimo!

A documentação levantada pelo Ministério Público Federal mostra o pagamento de honorários milionários a escritórios de advocacia do Rio, e entre eles está o “Basílio Advogados”, banca pertencente a Ana Basílio, que, por acaso, é casada com o desembargador André Fontes, presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O órgão é responsável pelos recursos da própria Lava-Jato do Rio de Janeiro. Segundo foi apurado, o escritório recebeu R$ 12 milhões para atuar em ações no Tribunal de Justiça do Rio, no STJ e na Justiça Federal.

Depois, o site “O Antagonista” de 28 de fevereiro de 2018 explodiu a notícia: “O escritório de Eduardo Martins, filho do vice-presidente do STJ, Humberto Martins, recebeu R$ 25 milhões da Fecomércio; Eduardo Martins foi subestabelecido no contrato firmado pelo escritório do compadre de Lula com o então presidente da Fecomércio, Orlando Diniz, preso na Operação Jabuti”. E o site mostra o fac-símile do documento da Receita com a prova do pagamento. Essa mesma Fecomércio  já havia engordado em dez milhões a conta bancária do filho do ministro. Parece que a Fecomércio estava funcionando como peça importante para indicar o caminho que está empurrando o Judiciário para a Lava Jato.

Vamos separar o joio do trigo, pois há muitos magistrados que são excelentes e exemplares, mas também existe uma corja disseminada em todos os tribunais, da mais humilde corte estadual às superiores, que precisa ser investigada e punida exemplarmente.

 

(Publicado no “Diário da Manhã” de 09/01/2019)

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