A ponte dos açoites

 


Um agente da patrulha de fronteira dos EUA tenta impedir um imigrante de chegar ao território do país, em 19 de setembro de 2021 — Foto: Paul Ratje / AFP

Um agente da patrulha de fronteira dos EUA tenta impedir um imigrante de chegar ao território do país, em 19 de setembro de 2021 — Foto: Paul Ratje / AFP

Poderia ser uma encenação teatral mais “contemporânea” de um tempo em que os homens, mulheres e crianças, na condição de escravos, eram açoitados em territórios ao sul dos EUA no século 19. Em uma época em que se presumia que pessoas de pele preta e de origem africana estavam destinadas a isso, simplesmente. A mensagem da peça era alertar as novas gerações para o que deveria ser inaceitável desde sempre. A plateia reagiria, ultrajada, pulando no palco, porque, mesmo sendo apenas a reprodução artística do horror, aquilo já era horrível demais.

Domados como bichos pelos homens brancos no alto dos seus cavalos, esses corpos eram como bichos. E ainda os são, para muitos dos guardas norte-americanos de fronteira, na cidade texana de Del Río. Essas cenas são do presente, desta semana do século 21. E nós somos os espectadores.

Por decisão do presidente Joe Biden, após toda repercussão negativa das imagens que chocaram o mundo – de refugiados haitianos sendo abatidos pelos chicotes em forma de rédeas nas mãos dos policiais que patrulhavam a região fronteiriça – os animais não serão mais usados neste tipo de atividade, mas a selvageria racista desses homens seguirá na oficialidade. No caminho dos haitianos que continuarem reivindicando respeito e o olhar da comunidade internacional. A busca é por oportunidades, longe de casa, onde a crise política e os desastres naturais não cessam.

O fim de semana começa com a ponte dos açoites esvaziada. Ali ficava o acampamento improvisado onde cerca de 15 mil imigrantes se reuniram. Cerca de dois mil foram deportados, outros milhares levados de volta ao México, ou transferidos para centros de migrantes em outras cidades. Biden disse que uma investigação está em andamento e que os agentes serão punidos. O governo brasileiro analisa uma solicitação da ONU para receber os haitianos que tenham filhos no país ou que tenham passado por aqui antes de seguir para o México. Discursos infamados não bastam.

O enredo se repete há séculos, com roteiro adaptado e alguns ajustes de cena para alívio de consciências. O fim do espetáculo desumano depende da plateia que não topar mais assistir esse tipo histórico de horror.

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