AO ELEVAR AO MÁXIMO PRESSÃO SOBRE IRÃ, ESTADOS UNIDOS CRIAM RISCO REAL DE CATÁSTROFE

AO ELEVAR AO MÁXIMO PRESSÃO SOBRE IRÃ, ESTADOS UNIDOS CRIAM RISCO REAL DE CATÁSTROFE

Donald Trump busca desde o começo de seu mandato asfixiar o país persa com sanções econômicas
Presidente americano, Donald Trump, no jardim da Casa Branca Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP
Presidente americano, Donald Trump, no jardim da Casa Branca Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP

Consultores de segurança internacional e pesquisadores ouvidos por ÉPOCA são unânimes ao apontar a estratégia americana de pressão máxima sobre Teerã como responsável pelo escalonamento das tensões entre Estados Unidos e Irã. Sob os conselhos de assessores agressivos, o presidente americano, Donald Trump, busca desde o começo de seu mandato asfixiar o país persa com sanções econômicas na expectativa de, ao devastar a economia do rival, conseguir impor condições unilaterais ou, ainda melhor, provocar uma mudança de regime.

Diante disso, com a previsão de ver o PIB encolher 6% em 2019 e sem obter nenhum resultado do acordo nuclear assinado por Barack Obama em 2015 e revogado por Trump em abril de 2018, os líderes iranianos se veem sem opções exceto retaliar. Isso se manifestou em ameaças de se retirar do pacto nuclear e de fechar o Estreito de Ormuz, por onde passa um quinto do petróleo global. Ao tomar estas atitudes, entretanto, o país é ainda mais intimidado pela Casa Branca, que se aproveita da reação para justificar a alegação de que o adversário é um elemento desestabilizador da ordem global.

“Não há nenhuma dúvida de que o governo Trump é o condutor desta escalada. Foram eles que dobraram as apostas e adotaram uma estratégia de pressão máxima”, afirma Ali Vaez, diretor para o Irã do International Crisis Group, centro internacional de prevenção de guerras. “Eles provocaram o Irã a tomar medidas em retaliação, o que é esperado e totalmente previsível”.

A escalada contra Teerã acentuou-se no dia 22 de abril, quando a Casa Branca decidiu estender sanções ao petróleo iraniano contra todos os clientes que restavam do país. A decisão se somou a uma designação prévia da Guarda Revolucionária Iraniana — o Exército nacional do país — como um grupo terrorista, medida inédita no mundo, e ao posterior anúncio do envio de um frota militar ao Oriente Médio.

Diante disso, em uma clara resposta, o Irã notificou no dia 8 de maio aos governos de Reino Unido, China, França, Alemanha e Rússia que suspenderia parte dos compromissos do acordo nuclear. Ao que tudo indica, as ações iniciais do país não violaram o combinado, mas o Irã alertou que, a menos que as potências mundiais protejam sua economia das sanções dos EUA no prazo de 60 dias, começará a enriquecer urânio em nível mais alto.

A escalada chegou ao limite nesta semana, que teve, entre seus episódios, a retirada de diplomatas americanos do vizinho Iraque, como um indício de um conflito iminente, e denúncias de ataques de aliados iranianos contra petroleiros na costa dos Emirados Árabes Unidos e em um oleoduto da Arábia Saudita — ambos, os principais aliados árabes de Washington e inimigos ferozes do Irã.

Situações como essas, apontam os estudiosos, fizeram desta a pior semana em décadas nas relações entre os dois países, e criaram uma possibilidade real de conflitos violentos e catastróficos entre as partes. Embora Trump e os iranianos desejem evitar uma guerra franca, explicam, a falta de comunicação entre os dois lados e as retóricas agressivas podem levar a choques localizados, mas ainda assim de severas consequências.

Isso poderia se dar, principalmente, entre alguns dos diversos aliados das duas partes na região — a chamada guerra por procuração, tipo de disputa armada na qual dois países se utilizam de terceiros (os proxies) como intermediários. As relações entre as partes precisam ser vistas no contexto da região, repleta de tensões, alianças, rivalidades e disputas, diz Paul Poast, especialista em segurança da Universidade de Chicago. “Você não pode olhar para as ações entre EUA e Irã isoladamente da geopolítica mais ampla do Oriente Médio e do Golfo Pérsico”.

Como lembra o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fernando Brancoli, muitos são os interesses para uma mudança de regime no Irã. Há décadas o país mantém uma espécie de guerra fria com Israel e Arábia Saudita, que, por sua vez, alegam que o Estado persa representa uma ameaça à sua própria existência. “Arábia Saudita e Israel têm muito interesse em um conflito com o Irã”, disse Brancoli. “Esses países mantêm diversos conflitos com atores apoiados pelo Irã e tem todo interesse em ver o regime iraniano trocado ou destruído.”

No caso de Israel, as hostilidades datam de décadas, e envolvem outras forças, como a organização política e paramilitar libanesa Hezbollah, do Líbano, e a Síria, com quem tem uma disputa pelas Colinas de Golã. Ambos os países são aliados iranianos e adversários israelenses.

No caso dos sauditas, as disputas são exacerbadas por diferenças religiosas e políticas. Historicamente, a monarquia saudita, berço do Islã e onde vigora o wahabismo — vertente do islamismo sunita caracterizada por seu ultraconservadorismo —, entendia-se como líder do mundo muçulmano. A partir da revolução iraniana em 1979, surgiu um novo tipo de Estado na região, uma teocracia xiita, que pretendia se exportar para os vizinhos.

Essa influência regional cresceu após a queda do rival iraquiano Saddam Hussein, após a invasão americana em 2003. A rivalidade se faz presente em vários conflitos hoje, como no Iêmen, que, desde 2015, vive uma guerra civil com participação saudita, e onde o Irã apoia os rebeldes hutus. As diferentes disputas acabam por criar um barril de pólvora.

“Há tantos atritos e tantos pontos de tensão que, mesmo sem querer, um conflito calamitoso pode irromper na região”, afirmou Vaez. “Quando não há nenhum canal de  comunicação, um pequeno erro de cálculo pode desencadear uma grande violência.”

Em vista de todos esses riscos, na quarta-feira o presidente americano Trump pareceu afastar-se de seus assessores mais beligerantes — que têm por líder o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton — e declarar em uma reunião que não quer uma guerra. Segundo vários funcionários do governo, o presidente afirmou a seu secretário interino de Defesa, Patrick Shanahan, que a intensa campanha de pressão americana contra o governo clerical de Teerã não deve se transformar num conflito aberto.

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