BISPOS CATÓLICOS COMUNISTAS SE REUNEM NA AMAZÔNIA

Por Filipe Domingues, G1

 


O Vaticano divulgou neste sábado (21) a lista de participantes do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, que será realizado entre 6 e 27 de outubro. No total serão mais de 250 participantes. A maioria deles é de brasileiros.

O Sínodo é um encontro de bispos com o Papa Francisco. Tratará de temas da Igreja e de questões sociais e ambientais dos nove países que têm territórios na Amazônia: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Guiana, Guiana Francesa, Venezuela e Suriname. Participam bispos, padres e freiras dessa região, além de estudiosos, pessoas ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU) e membros dos escritórios do Vaticano (a Cúria Romana).

Sala do Sínodo, na qual se realizam os encontros do Papa com bispos de todo o mundo — Foto: Divulgação/Vatican MediaSala do Sínodo, na qual se realizam os encontros do Papa com bispos de todo o mundo — Foto: Divulgação/Vatican Media

Sala do Sínodo, na qual se realizam os encontros do Papa com bispos de todo o mundo — Foto: Divulgação/Vatican Media

Além dos participantes com direito de voto durante o Sínodo – os chamados “padres sinodais”, que são 185 – também estarão presentes na assembleia observadores de outras tradições religiosas, como os evangélicos e representantes de comunidades indígenas. A lista completa pode ser vista no site SinodoAmazonico.va.

As mulheres que participam têm direito de falar na assembleia, mas não podem votar nas decisões do Sínodo (como na eleição de alguns membros de comissões e a redação de documentos produzidos). Durante o Sínodo, será declarada santa a Irmã Dulce.

Alguns brasileiros de destaque

Entre os cientistas, estará o climatologista Carlos Nobre, um dos mais importantes estudiosos das mudanças climáticas no Brasil e um dos vencedores do Nobel da Paz de 2007. Outro especialista técnico convidado, neste caso em direito dos povos indígenas e tradicionais, é o procurador da República Felício de Araújo Pontes Júnior.

O brasileiro de maior destaque na assembleia é o cardeal Dom Claudio Hummes, que atuará como relator-geral do Sínodo. Ele é o principal responsável por coordenar os documentos que serão produzidos na assembleia. Dom Claudio é presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), foi arcebispo de São Paulo e prefeito da Congregação para o Clero, no Vaticano. Muito próximo do Papa Francisco, é o principal responsável pela sua articulação.

Dom Claudio Hummes durante o conclave que elegeu o arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio (à esquerda), como Papa — Foto: Reprodução Globo NewsDom Claudio Hummes durante o conclave que elegeu o arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio (à esquerda), como Papa — Foto: Reprodução Globo News

Dom Claudio Hummes durante o conclave que elegeu o arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio (à esquerda), como Papa — Foto: Reprodução Globo News

Outro cardeal brasileiro, Dom João Braz de Aviz atuará como presidente de algumas das sessões do Sínodo – uma função mais ritual do que decisiva -, além de ter direito de voto. Dom João é o prefeito do escritório vaticano responsável pelas congregações religiosas (franciscanos, beneditinos, dominicanos, jesuítas, carmelitas, etc) e pessoas de vida consagrada.

O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo, também participa do Sínodo. Ele é arcebispo de Belo Horizonte. Com ele, os representantes da delegação brasileira são 58 bispos ou padres, todos responsáveis por territórios da Amazônia. Além deles, outros sacerdotes que atuam no Brasil foram nomeados pessoalmente pelo Papa, como o padre Dario Bossi, missionário italiano.

Alguns outros participantes brasileiros ajudaram a preparar o Sínodo e, portanto, também terão papel importante de articulação dos trabalhos: Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho; Dom Neri José Tondello, bispo de Juína; Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu. E também a Irmã María Irene Lopes dos Santos, assessora da CNBB para temas da Amazônia.

Os brasileiros também são numerosos entre os “peritos” do Sínodo, que são as pessoas encarregadas de garantir que os documentos produzidos pela assembleia tenham precisão técnica. Entre eles, o padre jesuíta Adelson Araújo dos Santos, professor na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, e Marcia Maria de Oliveira, doutora em Sociedade e Cultura Amazônicas, e especialista em história da Igreja na Amazônia.

Alguns temas que serão discutidos

De forma geral, o Sínodo dos Bispos é uma reunião de autoridades da Igreja Católica com o Papa para discutir e propor soluções para um tema específico da Igreja (entenda). Foi criado em 1965 por Paulo VI. Em outubro de 2017, Francisco convocou o sínodo sobre a Amazônia.

Embora seja um evento típico da Igreja, os sínodos tocam em pontos mais abrangentes – cultura, política, economia, desenvolvimento, etc. Além de falar, por exemplo, da falta de padres e da crescente presença evangélica na Amazônia, os membros da Igreja devem fazer críticas que associam as causas dos problemas ambientais da região aos fatores que acentuam a pobreza, a violência e a desigualdade social.

Essa mobilização dos bispos despertou incômodo no governo do presidente Jair Bolsonaro, que vê nos temas do Sínodo uma ameaça à soberania nacional (veja o vídeo abaixo). O “instrumento de trabalho” que orienta o sínodo tem críticas fortes ao modelo de desenvolvimento que vem sendo aplicado na Amazônia nas últimas décadas.

O governo Bolsonaro e o Sínodo da Amazônia

O governo Bolsonaro e o Sínodo da Amazônia

Trechos do documento que indicam pautas ambientais:

  • Água: “Como refletem as consultas às comunidades amazônicas, a vida na Amazônia se identifica, entre outras coisas, com a água. O rio Amazonas é como uma artéria do continente e do mundo, flui como veias da flora e fauna do território, como manancial de seus povos, de suas culturas e de suas expressões espirituais. […] A bacia do rio Amazonas e as florestas tropicais que a circundam nutrem os solos e, através da reciclagem de umidade, regulam os ciclos da água, energia e carbono a nível planetário. O rio Amazonas lança sozinho todos os anos no oceano Atlântico 15% do total de água doce do planeta.”
  • Mudanças climáticas: “… convém destacar que, segundos peritos internacionais, no que diz respeito à mudança climática de origem antropogênica, a Amazônia é a segunda área mais vulnerável do planeta, depois do Ártico. […] a mudança climática e o aumento da intervenção humana (desmatamento, incêndios e alteração no uso do solo) estão levando a Amazônia rumo a um ponto de não-retorno, com altas taxas de desflorestação, deslocamento forçado da população e contaminação, pondo em perigo seus ecossistemas e exercendo pressão sobre as culturas locais. Níveis de 4° C de aquecimento, ou um desmatamento de 40% constituem “pontos de inflexão” do bioma amazônico rumo à desertificação, o que significa a transição para uma nova condição biológica geralmente irreversível. E é preocupante que atualmente já nos encontramos entre 15 e 20% de desmatamento.”
  • Vida ameaçada: “…a vida na Amazônia está ameaçada pela destruição e exploração ambiental, pela violação sistemática dos direitos humanos elementares da população amazônica. De modo especial a violação dos direitos dos povos originários, como o direito ao território, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta e ao consentimento prévios.”
  • Extrativismo e conservacionismo: “Os projetos extrativos e agropecuários que exploram inconsideradamente a terra estão destruindo este território, que corre o risco de ‘se savanizar’. A Amazônia está sendo disputada a partir de várias frentes. Uma responde aos grandes interesses econômicos, ávidos de petróleo, gás, madeira, ouro, monoculturas agroindustriais, etc. Outra é a de um conservacionismo ecológico que se preocupa com o bioma, porém ignora os povos amazônicos.”
  • Desenvolvimento e governos: “… os clamores amazônicos refletem três grandes causas de dor: (a) a falta de reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios dos indígenas, que fazem parte integral de suas vidas; (b) a invasão dos grandes projetos chamados de ‘desenvolvimento’, mas que na realidade destroem territórios e povos (por ex.: hidroelétricas, mineração – legal e ilegal – associada aos garimpeiros ilegais [mineiros informais que extraem ouro], hidrovias – que ameaçam os principais afluentes do Rio Amazonas – exploração de hidrocarbonetos, atividades pecuárias, desmatamento, monocultura, agroindústria e grilagem [apropriação de terras valendo-se de documentação falsa] de terra). Muitos destes projetos destrutivos, em nome do progresso são apoiados pelos governos locais, nacionais e estrangeiros; e (c) a contaminação de seus rios, de seu ar, de seus solos, de suas florestas e a deterioração de sua qualidade de vida, culturas e espiritualidades.”
  • Terra: “O território se transformou em um espaço de desencontros e de extermínio de povos, culturas e gerações. Há quem se sente forçado a sair de sua terra; muitas vezes cai nas redes das máfias, do narcotráfico e do tráfico de pessoas (em sua maioria mulheres), do trabalho e da prostituição infantil. Trata-se de uma realidade trágica e complexa, que se encontra à margem da lei e do direito.”
  • Urbanização: “Tanto o acelerado fenômeno da urbanização, como a expansão da fronteira agrícola através dos agronegócios e até o abuso dos bens naturais, levado a cabo pelos próprios povos amazônicos, se acrescentam às já mencionadas graves injustiças. A exploração da natureza e dos povos amazônicos (indígenas, mestiços, seringueiros, ribeirinhos e também aqueles que vivem nas cidades), provoca uma crise de esperança.”
  • Migração: “Os processos migratórios dos últimos anos acentuaram também as mudanças religiosas e culturais da região. Perante os rápidos processos de transformação, a Igreja deixou de ser o único ponto de referência para a tomada de decisões. Além disso, a nova vida na cidade nem sempre torna possível realizar os sonhos e as aspirações, mas muitas vezes desorienta e abre espaços para messianismos transitórios, desconectados, alienantes e sem sentido.”
  • Ecologia integral: “A ecologia integral se baseia no reconhecimento da relacionalidade como categoria humana fundamental. Isto significa que nos desenvolvemos como seres humanos com base em nossos relacionamentos conosco mesmos, com os outros, com a sociedade em geral, com a natureza/meio ambiente e com Deus. Esta integralidade vincular foi sistematicamente salientada durante as consultas às comunidades amazônicas.”

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