CELSO O MINISTRO GENETICISTA DA LEI

Relator de ação pedindo criminalização da homofobia, Celso de Mello critica ministra Damares Alves

O ministro Celso de Mello antes de sessão no plenário do STF
O ministro Celso de Mello antes de sessão no plenário do STF Foto: Jorge William
André de Souza
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O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), atacou, nesta quinta-feira, uma declaração da ministra da Mulher,da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que, em janeiro, ao assumir o cargo, afirmou que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. O ministro é o relator de uma das ações na Corte que pedem a criminalização da homofobia e da transfobia. Celso ainda não terminou de votar, mas defendeu por várias vezes o respeito aos direitos das minorias.

— Essa visão de mundo fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas entre homem e mulher devem determinar seus papéis sociais, ‘meninos vestem azul e meninas vestem rosa’, essa concepção de mundo impõe notadamente em face dos integrantes da comunidade LGBT uma inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a um padrão existencial heteronormativo incompatível com a diversidade e o pluralismo que caracterizam uma sociedade democrática, impondo-lhes ainda a observância de valores que além de conflitar com sua própria vocação afetiva, erótico-afetiva conduzem à frustração de seus projetos pessoais de vida – disse Celso.

O julgamento começou nesta quarta-feira, com as manifestações dos advogados, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia-Geral da União (AGU). Nesta quinta-feira, os ministros começaram a votar. Celso é o primeiro deles. Ele afirmou que o tema é complexo e delicado, envolvendo a possibilidade de repressão e a liberdade religiosa.

As ações foram propostas pelo PPS e pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). Segundo eles, homofobia e a transfobia são tipos de racismo e se enquadram no conceito de discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais, protegidos pela Constituição Federal. As entidades alegam que, como o Congresso Nacional não legislou sobre o assunto, caberia ao STF disciplinar sobre o tema.

— Eu sei que em razão deste voto e da minha conhecida posição em defesa dos direitos das minorias que compõem os denominados grupos vulneráveis, serei inevitavelmente mantido no index dos cultores da intolerância, cujas mentes sombrias que rejeitam o pensamento crítico, que repudiam o direito ao dissenso, que ignoram o sentido democrático da alteridade e do pluralismo de ideias, que se apresentam como corifeus e epígonos de sectárias doutrinas fundamentalistas, desconhecem a importância do convívio harmonioso e respeitoso entre visões de mundo antagônicas — afirmou Celso no começo de seu voto.

Depois, acrescentou:

— Mas muito mais importante que atitudes preconceituosas e discriminatórias tão lesivas quanto atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais de qualquer pessoa, independentemente de suas convicções, ou de sua orientação sexual, ou de sua percepção em torno de sua própria identidade de gênero, mais importante do que tudo isso é a função contramajoritária do Supremo Tribunal Federal, a quem imbui fazer prevalecer sempre, no exercício irrenunciável da jurisdição constitucional, a autoridade e a supremacia da Constituição e das leis da República.

Assim que Celso terminar, o próximo a votar será o ministro Edson Fachin, relator da outra ação. Em seguida, os outros nove ministros. A expectativa é que não haja tempo para terminar o julgamento na sessão desta tarde. A maioria dos ministros tende a considerar as práticas criminosas. No entanto, integrantes da Corte avaliam, nos bastidores, pedir vista para adiar a decisão. Seria uma forma de não desestabilizar a relação entre Judiciário, Executivo e Legislativo logo no início do mandato de Jair Bolsonaro.

Na quarta-feira, o advogado-geral da União, André Mendonça, e o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, se manifestaram no plenário do STF. Os dois estavam em campos opostos. Entre os advogados, estavam presentes representantes de religiosos e de grupos de defesa de gays e transgêneros.

O assunto espinhoso para o governo foi palco para a estreia de Mendonça na tribuna do STF. Ele argumentou que, embora a discriminação seja condenável, a atribuição de legislar sobre o assunto é do Congresso Nacional. Lembrou que já existem crimes para punir práticas contra homossexuais e transgêneros – como homicídio, lesão corporal e crimes contra a honra. Ainda segundo o advogado, o crime cometido porque a vítima é gay ou transgênero pode servir de agravante para o juiz aumentar a pena ao agressor. Mendonça também rebateu o argumento de que o Congresso Nacional foi omisso em relação à causa.

Luciano Mariz Maia, por sua vez, fez um duro discurso pela punição da homofobia e da transfobia. Ele falou da cultura de violência contra negros, pobres, homossexuais e transgêneros no Brasil e da jurisprudência do STF a favor de minorias.

Homofobia é um tema polêmico na relação entre os Poderes. O Congresso resiste a legislar sobre o tema há anos. A nova legislatura, inaugurada no dia 1º, ainda não teve oportunidade de tratar do assunto. É também um assunto delicado na relação com o presidente da República. Em discurso, ele já disse que preferiria ver um filho morto do que assumindo eventual homossexualidade.

No STF, a tradição recente é a defesa dos direitos das minorias. Foi com essa visão que, em maio de 2011, a corte reconheceu as uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Com isso, relações homossexuais ganharam os mesmos direitos da união estável heterossexual, prevista no Código Civil. Por analogia, os gays podem pleitear pensão em caso de morte ou separação do companheiro, partilha de bens e herança. Não por acaso, na semana passada foi instalado no corredor do STF que dá acesso ao plenário uma exposição contando a história desse julgamento.

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