Jordão, o touro indomável de Rafael Cardoso

Jordão, o touro indomável de Rafael Cardoso

 


Liberato Póvoa

 

Isturdia, a amiga Claudeth Cardoso, nascida lá na Barra Nova de Rafael Cardoso, de quem era filha, cobrou-me a história de um famoso touro que deitou fama naquelas paragens do sertão de Conceição do Norte.  

Pois vão assuntando.

Passou lá pelo sertão um vendedor de tourinhos, e Rafael Cardoso influiu em comprar um zebu para melhorar a raça de seu rebanho predominante de pé-duros e no máximo mirandeiros. E desfez-se de uma partida de garotinhos para fazer dinheiro e comprou o touro, que já veio com o nome de “Jordão”, e, enlotando-o na sua maloca, dava gosto ver o zebuzão caminhar balançando o cupim e dominando o rebanho. Com pouco tempo, ele passou a dominar o gado da fazenda e ganhar o respeito do próprio vaqueiro.

Mas Jordão pegou a ficar tinhoso e no aboio da tarde, quando se encurrala o gado mode amansar e acostumar com gente, o touro não vinha, e, pior, só se tinha notícia de que ele estava escarreirando viajantes e até derrubando da montaria, mercê de sua natureza. E o remédio que Rafael achou foi tentar pegar o touro e vendê-lo a compradores de gado que por ali transitavam, pois a produção do touro ia toda para as fazendas alheias, que Barra Nova praticamente não existia pra Jordão.

Piscando miúdo por trás de uns óculos colados de Durepoxi que tentavam disfarçar um olho cego, briquitou pelo sertão atrás de notícia de seu boizão caro..

Procura aqui, escrafuncha ali, e nada do boi, quando alguém deu notícia de que tinha visto o rastro do terroroso animal indo pra enseada do corgo da Rapadura, ali num longe até perto. Rafael Cardoso consinou um bando de vaqueiros para pegar o bicho: seus filhos Antenor e Santo, o genro Adão, o primo Pedro Cardoso, Edirson de Elpídio Tapioca, Clotildo do Sucruiú, e mandou vir de Taguatinga um famoso pegador de brabeza por nome Joaquim Toma, levando de quebra o cachorro “Presente”, famoso em imobilizar qualquer gado pelas ventas.

Apois bom, a vaqueirama entrou no cipoal medonho da enseada da Rapadura, e logo avistaram aquela besta-fera dentro de um trançado de japecanga e outros espinhos de beira de corgo. E quando menos se esperou, um arrufo denunciou a presença de Jordão, que avançou em cima da vaqueirama, que, borrando-se de medo, cada um saiu quebrando pau pela frente, e até o cachorro “Presente” tentou pegar o touro pelas ventas, mas este impensou-o num pé de mirindiba, que o cachorro só foi cachorro até ali.

Jordão escarreirou com os vaqueiros, que trataram de correr, caçar um pé-de-pau mode subir e outros saíram do cipoal com as perneiras em tiras por conta dos espinhos, mas Joaquim Toma fez jus à fama: valente e destemido, escorou Jordão na ponta do ferrão, fazendo o touro refugar um pouco para tomar fôlego e avançar de novo pra riba de Joaquim.

Dizendo o povo, Joaquim Toma, também com as perneiras estraçalhadas, passou quase o dia todo domando o touro, com o ferrão lavado de sangue e o animal rendilhado de manchas vermelhas de tanta ferroada, acabando por se entregar ao destemido vaqueiro, já que a valentia de Jordão acabara ficando na ponta do aguilhão.

Laçado e derrubado. atrelaram aquela besta-fera a um corpulento boi-de-carro, que serviu de sinueiro,  e a muito custo foi levado ao curral da Barra Nova.

Vendido a um boiadeiro, tocaram-no para Formosa. No tanger da boiada, já perto de Campos Belos, a meio caminho do destino, uma caminhonete, que trafegava pela rodagem, alheia aos apelos dos tangedores, dividiu a boiada pelo meio, mas só chegou até Jordão, única rês a não desocupar a estrada.

Relembrando talvez sua antiga majestade, Jordão escorou o carro, que, parado, recebeu violentas marradas na lataria, arrebentando os para-lamas, as portas e faróis, que o caminhoneteiro, escapo por milagre de Deus, nem razão teve para reclamar paga de prejuízo,

O fato despertou no marruá a antiga imponência, fazendo-o sentir-se imbatível, como se tivesse, num derrepente, renascido a antiga veneta e não houve peão que o atalhasse, voltando desembestado em cima do rastro.

Dias depois, encontraram o bravo touro na beira do Rio Palma, nas terras da fazenda Chuva de Manga, de Dô Azevedo, perto de seu domínio de antes. Morrera afogado, na tentativa de voltar à liberdade. A correnteza medonha do Palma naquele trecho minara-lhe as forças, e a barranca escarpada do Palma foi a sua perdição.

Mas a fama de Jordão virou lenda no sertão de Conceição do Norte. 

 

(Publicada no Diário da Manhã” de 25/06/2019).

Comentários
você pode gostar também