Juíza aponta 11 ilegalidades e manda suspender Complexo Via Lago imediatamente

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Juíza aponta 11 ilegalidades e manda suspender Complexo Via Lago imediatamente

Havia até servidora do município como sócia da empresa vencedora.

Por Redação
25/04/2019 10h02 – Atualizado há 3 minutos

Aterro para construção do complexo

A juíza Milene de Carvalho Henrique determinou, nesta terça-feira (23), a imediata suspensão do contrato firmado entre a Prefeitura de Araguaína e a empresa ‘Via Lago Empreendimentos Imobiliários S/A’, para a construção de um empreendimento denominado Complexo de Turismo e Negócios.

A decisão aponta que houve uma Parceria Público-Privada em desacordo com a legislação, falta de transparência no edital de licitação com consequente subavaliação do imóvel, ou seja, abaixo do valor de mercado, e indício de direcionamento. Também citou o fato de que o consórcio vencedor tendo como sócia uma servidora do Município e licenças ambientais possivelmente irregulares foram quatro dos 11 pontos obscuros.

A magistrada estipulou o prazo de 20 dias para a Prefeitura apresentar contestação e determinou ainda a suspensão de qualquer obra referente à implantação do referido empreendimento, “salvo benfeitorias necessárias, bem como qualquer pagamento com base no referido contrato, até ulterior deliberação judicial”.

Parceria irregular

Após analisar os atos administrativos da Prefeitura, a juíza Milene de Carvalho Henriqueentendeu que o contrato no qual a prefeitura transferira o domínio da área pública de cerca de 69,9 mil metros quadrados, avaliada em cerca de R$ 60 milhões, na região conhecida como Via Lago, não se trata de parceria público-privada.

Segundo ela, o PMI tem por finalidade, entre outras ações, a apresentação de projetos para subsidiar a administração pública na estruturação de empreendimentos objetos de concessão ou permissão de serviços públicos, de parceria público-privada, de arrendamento de bens públicos ou de concessão de direito real de uso.

“Diferentemente, a destinação final do negócio em voga (a dita alienação condicionada), não se enquadra em nenhuma das hipóteses anteriores, tidas como regra geral para o manejo do PMI, ou seja, a licitação ocorreu totalmente dissociada da destinação do PMI”, arrematou a juíza, lembrando que parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa, e que ambas envolvem prestação de serviço público, não cabendo a aplicação de PPP em casos de exploração econômica exclusivamente pela iniciativa privada, sem a participação da Administração Pública.

 Imóvel subavaliado

A magistrada também estranhou o fato de o PMI não trazer a informação de que a Prefeitura entregaria a área de 60.978,70 m2 totalmente pronta para a imediata construção, ou seja, que os eventuais licitantes receberiam a área – até então um buraco alagado na parte do Lago – com todo o aterro, desassoreamento e obras de contenção (construção de diques) realizadas com recursos do Município (R$ 11 milhões).

Para ela, é bastante provável que a avaliação do bem no estado em que efetivamente será entregue ao vencedor da licitação, pronto para edificação, será em valor superior ao preço médio de R$ 400,00 o metro quadrado, ressaltando ainda o fato de a área ficar na região mais valorizada da cidade.

E lembrou ainda que a segunda cláusula do Contrato nº 006/2018 informa a avaliação do metro quadrado construído em R$ 5,5 mil. “O próprio Município dá subsídios de que a área foi subavaliada, visto que incide aí uma valorização de 1.275% no metro quadrado construído”, diz a juíza em sua decisão, alertando para o fato de que no próprio relatório da Comissão Especial da Secretaria Municipal de Desenvolvimento, nomeada para analisar o PMI, foi sugerido que deveria haver outras avaliações da área por entes oficiais (Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil), mas que o procedimento só foi feito pelo corpo técnico da própria Prefeitura Municipal de Araguaína. E questionou se de antemão a Prefeitura já sabia que iria realizar às suas expensas o preparo do terreno.

Será que essa não foi uma das circunstâncias cruciais para que apenas uma empresa (ABL PRIME LTDA) manifestasse interesse no PMI e depois na Concorrência Pública 008/2018? Vou mais além, será que a empresa que se apresentou como interessada tinha conhecimento prévio que o terreno seria entregue pronto para construção, a despeito de tal informação não constar dos editais?”

Sócia-servidora e empresa em quitinete

Em sua decisão, a magistrada também chamou a atenção para o fato de uma das empresas que formam o consórcio vencedor da licitação ter como sócia uma servidora que fazia parte dos quadros do Município de Araguaína à época do PMI e da licitação.  “Nesse esquadro, entendo, de toda sorte, que a verificação da existência de servidora do Município incluída no quadro societária de empresa fere norma prevista na Lei de Licitações, bem como no próprio edital.”

E considerou também estranho o fato de a DCCA Administração e Gestão Imobiliária Ltda, com maior participação no consórcio vencedor da licitação, com 48%, e com capital declarado de R$ 40,3 milhões, ter como sede uma quitinete, em rua esburacada e sem nenhuma identificação. E estranhou ainda o fato de a empresa ter sido aberta no dia 23 de agosto de 2018, apenas dois meses antes da licitação.

Risco de dano ambiental

A juíza destacou também o Relatório de Vistoria nº 048/2018, realizado pelo Centro de Apoio Operacional de Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente (Caoma) em dezembro de 2018. Juntado pela parte autora da ação popular, o relatório aponta a existência de irregularidades nas licenças ambientais referentes ao empreendimento, lembrando que há previsão da construção de centro administrativo municipal, shopping center, hotéis e restaurantes na área e alerta que os estudos ambientais realizados não contemplam e/ou explicitam a utilização desta área para tal finalidade.

Além disso, tais obras não encontram respaldo na legislação vigente quanto à utilidade pública e/ou interesse social. Desta forma, ainda que fosse possível, a Prefeitura não obteve e/ou realizou os estudos ambientais necessários, como licenças ambientais pertinentes, e encerra sugerindo “a imediata paralisação das obras para que se busque regularizar os devidos estudos de impacto ambiental e licenças, tudo na tutela do meio ambiente”.

Ao analisá-lo, a magistrada afirmou estar adotando o relatório do Caoma juntado aos autos “apenas como mais um dos indícios de irregularidades para o meu convencimento quanto ao acerto da suspensão do empreendimento imobiliário nesta fase do processo; assim, deixo claro que as irregularidades apontadas no relatório do órgão técnico poderão ser objeto do devido contraditório e ampla defesa por parte do requerido, em momento processual próprio para se apurar ou sanar as irregularidades apresentadas”.

Prazos e expectativas

O prazo de cinco anos para elaboração de projetos e construção do centro administrativo municipal e de 20 anos para complexo que inclui shopping center, hotel,  entre outras edificações, também foi objeto de levantamento da juíza Milene em sua decisão.

“O mais intrigante é que a empresa vencedora pode de imediato, a partir da assinatura do contrato e formalização da escritura pública, transferir/comercializar frações ideais do terreno a terceiros”, afirma, ao analisar o parágrafo único da cláusula sexta do contrato e observar ainda que, além da formalidade contratual de inserir cláusula de reversão e desalienação na escritura e aplicação de multa, a única garantia efetiva que o Município teve foi a caução prestada no valor de R$ 100.000,00 exigida no edital para apresentação de proposta.

“Em contrapartida, vejo que a empresa vencedora poderá de pronto negociar lotes/frações do terreno por valores facilmente superiores aos cem mil reais caucionados, pois repito, a área objeto da licitação está situada na região mais valorizada de Araguaína.”

Por fim, ao analisar a cláusula sete do referido contrato, a magistrada Milene de Carvalho Henrique se permite avaliar que “o empreendimento imobiliário a ser desenvolvido nesta cidade, a depender dos reais interesses dos envolvidos no negócio e não apenas no discurso de autoridade que se propaga, pode não se traduzir em desenvolvimento e geração de empregos a curto e médio prazo como espera a população, e o tão sonhado shopping pode demorar – em tese – até 20 anos para ser concluído”.

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