Mãe relata 24 h com filha internada em corredor do Materno Infantil e diz que viu grávidas ‘prestes a dar à luz em cadeiras’

Por Sílvio Tulio e Vanessa Martins, G1 GO

 


Cabeleireira Romilda Rocha da Silva contou que ficou 24 horas com a filha Ayla em corredor do HMI — Foto: Reprodução/Arquivo pessoalCabeleireira Romilda Rocha da Silva contou que ficou 24 horas com a filha Ayla em corredor do HMI — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Cabeleireira Romilda Rocha da Silva contou que ficou 24 horas com a filha Ayla em corredor do HMI — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

A cabeleireira Romilda Rocha da Silva contou que ficou 24 horas com a filha internada de forma improvisada no Hospital Materno Infantil (HMI), em Goiânia. Ela disse que viajou de Britânia, onde mora, até a capital e foi surpreendia por uma fila com mais 15 pacientes também aguardando leitos. Na espera, ela relatou que viu gestantes “prestes a dar à luz em cadeiras” e ficou assustada com o descaso. “Não imaginava”, afirmou.

A mãe contou que a filha, Ayla Jordana Rocha de Oliveira, de 3 anos, foi diagnosticada com purpura trombocitopenia idiopática, uma doença que reduz o número de plaquetas e, por consequência, o sangue não coagula. Ela contou que quando chegou ao hospital, teve uma surpresa desagradável.

“Dei entrada às 16h30 acreditando que ela teria um leito. Mas me deparei com mais de 15 mães com seus filhos ‘internados’ nas cadeiras da recepção e nos corredores. Passei a noite com a minha filha em uma das cadeiras e ela só foi para o quarto na tarde do outro dia, quase 24h depois”, conta.

A menina passou por tratamento e recebeu alta neste sábado (30). Elas devem voltar para Britânia, mas precisam retornar em 15 dias para fazer o acompanhamento.

“Não culpo os médicos e enfermeiros, mas sim os políticos, que não usam os impostos que a gente paga para melhorar as condições de saúde”, desabafa.

Sobre a situação, a assessoria do HMI disse que não sabe de onde pode ter surgido a informação de haveria leito esperando a paciente, já que o hospital está com problema de superlotação desde o ano passado. Ainda de acordo com a unidade, a política de portas abertas da unidade exige que todos os pacientes sejam atendidos, mesmo que nos corredores, até que surja um leito vago.

Grávida que preferiu não ser identificada e que ficou 12 horas esperando leito no HMI em Goiânia — Foto: Reprodução/Arquivo pessoalGrávida que preferiu não ser identificada e que ficou 12 horas esperando leito no HMI em Goiânia — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Grávida que preferiu não ser identificada e que ficou 12 horas esperando leito no HMI em Goiânia — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Outra paciente que enfrenta os problemas de superlotação da unidade é uma gestante, que preferiu não se identificar. Ela disse que também precisou ficar deitada em uma cadeira à espera de um leito. Moradora de Mara Rosa, ela conta que foi diagnosticada com toxoplasmose, o que caracteriza uma gestação de risco. Por isso, foi direcionada para o HMI.

Com 37 semanas de gestação, há três semanas ela está de favor na casa de um parente. Somente após mais de 12h é que ela conseguiu um leito, onde aguarda o pelo parto.

“Eles já iam marcar meu parto, mas se tiver uma emergência, passam na frente. Eles alegam que não tem leito, que não tem UTI. Para ser atendido aqui você tem que estar morrendo. Estou longe da minha casa, na casa da minha tia. Estou sozinha. E é esse descaso. Como me colocaram como gravidez de risco eu tenho que que vir para esse inferno”, reclama.

Médica Irene Ribeiro Machado, que trabalha no HMI, desabafa sobre falta de condições do hospital — Foto: Reprodução/TV AnhangueraMédica Irene Ribeiro Machado, que trabalha no HMI, desabafa sobre falta de condições do hospital — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Médica Irene Ribeiro Machado, que trabalha no HMI, desabafa sobre falta de condições do hospital — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Plantão

A médica pediatra Irene Ribeiro Machado, que trabalha no HMI, fez um desabafo à equipe da TV Anhanguera sobre as dificuldades de assumir os atendimentos na unidade. Ela disse que se sente desamparada tentando cuidar de todos os casos que aparecem, mas sem conseguir devido ao volume de pacientes.

“A escala está reduzida, então estamos só em dois plantonistas. Está todo mundo sobrecarregado. Isso já vem acontecendo do final do ano passado para cá”

“A gente entra no plantão e não tem como prever quantos casos vamos atender. Eu entrei 7h e tirei 15 minutos de almoço e estou até agora [por volta de 16h30]”, relatou.

Além de serem muitos casos, os médicos precisam se dividir para atender muitas áreas ao mesmo tempo, já que recebem os mais variados tipos de caso. “A gente se divide na UTI, emergência, enfermarias, pediatria na parte de cima e enfermaria da emergência. Quando esses leitos enchem tem espaço que colocamos berço e cama extra, mas quando lota, aí tem que ficar no corredor, nas cadeiras, como a gente mostrou”

Conforme a pediatra, todos os pacientes passam por triagem que avalia a gravidade de cada caso.

“Cada criança que chega passa pela triagem. A triagem é feita por enfermeiros qualificados que, dependendo dos dados clínicos, categoriza o paciente como verde, que é de ambulatório, ou seja, precisa de atendimento mas não urgente; o amarelo, que precisa de atendimento mais rápido; o laranja é grave e vermelho gravíssimo”, explicou.

Em seguida também é analisado se há necessidade de internação, mas raramente são encontradas vagas para as crianças que precisam porque não há outro hospital com o mesmo perfil.

Corredor do Materno Infantil com vários pacientes em cadeiras — Foto: Reprodução/Arquivo pessoalCorredor do Materno Infantil com vários pacientes em cadeiras — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Corredor do Materno Infantil com vários pacientes em cadeiras — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

“Quando o paciente entra, a gente avalia se é caso de internação. Se for, fazemos a guia de internação e coloca na regulação de Goiânia toda para pedir vaga, mas não nos dão vaga porque não encontra. Enquanto isso vai ficando aqui e recebe todo o tratamento: toma remédio, faz exame. Todo atendimento a gente consegue dar. Isso, graças a Deus não tem falta”, completou.

De acordo com a pediatra, as dificuldades de se trabalhar com uma unidade de saúde superlotada são inúmeras. O que pesa, segundo ela, são a frustração e a falta de esperança que as condições irão melhorar. Depois de um plantão difícil no HMI há uma semana, a médica escreveu uma carta de desabafo que compartilhou com colegas de trabalho. Leia abaixo:

Bom dia, colega!

Aqui vai um desabafo, um grito sofrido que não quer calar!

Ontem, ficamos só dois médicos no plantão, trabalhamos ininterruptamente o dia todo!

O corredor estava cheio de crianças internadas em cadeiras!

Evoluções que não acabavam mais, exames para olhar, casos mais complexos para discutir com especialistas, reavaliações de pacientes mais graves internados nas cadeiras. Residentes e internos para orientar. Atender chamadas para avaliar pacientes internados na pediatria e na extensão, e ainda, para assistir partos de bebês que chegam nascendo no pronto socorro da mulher.

E só chegando mais consultas. Entre elas, crianças graves: com cetoacidose diabética, Síndrome de Fournier, abdômen agudo, pneumonia com derrame pleural, recém nascidos com insuficiência respiratória aguda. E colocar onde? Se até as cadeiras estão todas ocupadas? E assim, passa o dia.

Na sexta feira, uma colega trabalhando nesse ritmo, com crise de asma, fez hipoglicemia, HGT de 50, por falta de tempo para se alimentar.

A noite chegou. Novamente só dois colegas no plantão e a noite o número de atendimentos dobra. Não tive coragem de ir embora ao final de 12 horas de plantão e deixá-las sozinhas. Fiquei!!

Lá pela 1:00h da manhã, já não me percebia como ser humano. Doía tudo, coluna, pernas e mão de tanto escrever. E a angústia de não conseguir fazer tudo que precisa. De permeio, guias de internações para preencher, lavagem gástrica de crianças intoxicadas. Acalmar e orientar mães ansiosas, cansadas, preocupadas e algumas agressivas.

Enfermagem reduzida trabalhando, incansavelmente, com inúmeros medicamentos para fazer e mães para atender. Tínhamos nas cadeiras, pacientes de UTI, de enfermaria de alta complexidade, pós-operatório. E consultas que não paravam de chegar.

Sensação de estar em um barco à deriva e sem esperanças de melhoras. Será que tem luz no final do túnel?

E hoje a noite, domingo, estaremos só de duas novamente. Os CAIS de portas fechadas para nossas crianças. O único FAROL na escuridão é o Hospital Materno Infantil!

Hospital Materno Infantil, em Goiânia — Foto: Reprodução/TV AnhangueraHospital Materno Infantil, em Goiânia — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Hospital Materno Infantil, em Goiânia — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Atendimentos

O próprio HMI divulgou o número de atendimentos nos últimos anos. Segundo a assessoria do Hospital, várias medidas foram tomadas para desafogar a unidade, como transferir certos tipos de exames e cirurgias para outros locais.

  • 2014 – 51.197 pacientes, sendo desses 30.710 classificados como verdes e azuis (baixa complexidade);
  • 2015 – 54.368 pacientes, sendo desses 32.490 verdes e azuis;
  • 2016 – 59.945 pacientes, sendo desses 38.515 verdes e azuis;
  • 2017 – 45.923 pacientes, sendo desses 26.749 verdes e azuis;
  • 2018 – 32.605 pacientes, sendo desses 16.119 verdes e azuis;
  • 2019 (janeiro e fevereiro) – 4.527 pacientes, sendo desses 886 verdes e azuis.

Conforme a unidade, esses atendimentos menos urgentes poderiam ser feitos na rede básica de saúde, que é de responsabilidade do município.

O superintendente de gestão de redes e atenção à saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS) disse que é de responsabilidade dos hospitais estaduais os atendimentos de urgência e emergência e que a rede básica tem cerca de 5 mil vagas “sobrando” para agendamentos de consultas com pediatras.

“Os pais que quiserem marcar consultas na rede básica conseguem vagas em menos de dois dias. Não nos eximimos da nossa culpa e não estamos responsabilizando os pais, mas temos que criar uma conscientização, para que não seja levado no hospital quando o caso já é urgente. Nós temos em média solicitação de 8 mil consultas, mas só cerca de 6,4 mil comparecem”, ponderou.

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