O Congresso Nacional é bem prático e eficiente:  ele mesmo rouba, ele mesmo julga, ele mesmo absolve.  

O Congresso Nacional é bem prático e eficiente: 

ele mesmo rouba, ele mesmo julga, ele mesmo absolve.  

 

Liberato Póvoa 

 

 

Vamos voltar a 2016, mostrando que o político brasileiro continua o mesmo. 

O impagável filósofo-pensador-humorista Millôr Fernandes, do alto de sua perspicácia, deixou-nos muitas citações, que merecem estar convenientemente guardadas no baú de nossa memória. Para início de conversa, satirizou até a escolha de seu próprio nome: ”O tabelião, que era quase analfabeto, foi escrever meu nome, que era Milton, e em vez de cortar a letra T, colocou o traço em cima do “O”, e ficou parecendo um circunflexo; assim, em vez de Milton Fernandes, fiquei sendo Millôr Fernandes”.

E o grande Millôr nos deixou uma pérola, que bem retrata o que é o nosso Congresso: “O Congresso Nacional é bem eficiente: ele mesmo rouba, ele mesmo julga, ele mesmo absolve”. As redes sociais viralizaram outra definição, estampada sob a gravura das duas torres gêmeas da Praça dos Três Poderes: “Se gradear, vira zoológico; se murar, vira presídio; se cobrir com lona, vira circo; se botar luz vermelha, vira prostíbulo; se der descarga, não vai sobrar ninguém”. E, para completar, ouçamos o Oscar Niemeyer, projetista de Brasília, que, do alto de seus mais de cem anos, brindou-nos com esta preciosidade: “Projetei Brasília, mas para os políticos que vocês colocaram lá, foi como criar um lindo vaso de flores para vocês usarem como penico. Hoje, eu vejo, tristemente, que Brasília nunca deveria ter sido projetada em forma de avião, mas, sim, de camburão”. Na Arábia Saudita, os ladrões são amputados; aqui, são deputados.

Não parecem descabidas tais definições, no momento em que, no atual momento político, a regra é a corrupção, que até ensejou a “Lei da Ficha Limpa”, de iniciativa popular, com o fito de coibir que políticos notabilizados por falcatruas viessem a nos representar no nosso Parlamento.

Depois, com o instituto da delação premiada de notórios larápios, um mar de nomes do nosso Congresso apareceu nas operações da Polícia Federal, e o Brasil foi ficando cada vez mais desmoralizado aqui e lá fora, a ponto de o Ministério Público Federal, arrimado no pedido de mais de dois milhões de cidadãos, ter proposto ao próprio Legislativo, o Projeto de Lei (PL) nº 4.850/16, que visava criar uma lei com os seguintes  objetivos: :prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação; criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos; aumento das penas e crime hediondo para a corrupção de altos valores; eficiência dos recursos no processo penal; celeridade nas ações de improbidade administrativa; reforma no sistema de prescrição penal; ajustes nas nulidades penais; responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2; prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado; recuperação do lucro derivado do crime.

O projeto do MP sacudiu os alicerces do Congresso, pois, se aprovadas as sugestões do “Parquet”, as duas Casas de Leis fatalmente se esvaziariam. E aí se armou um grande golpe: na calada da noite do dia 29 para 30 de novembro de 2016: os nobres deputados deliberaram até quase de manhã, apresentando emendas convenientemente elaboradas, desfigurando totalmente o texto original para livrá-los das grades, e quase propunham a criminalização do Caixa 2, dos subornos, propinas, e outros fatos ainda sem definição como crime.

Com isto, espertamente, eles visavam dois objetivos: primeiro, ficarem bem com o seu eleitorado; segundo, livrarem-se de mais de 90% dos inquéritos e ações penais que correm nas polícias judiciárias e no próprio Judiciário. Explico, pelo princípio da irretroatividade da lei penal, ela só pode ser aplicada, quando beneficiar o réu ou acusado. Assim, se fosse criada uma lei criminalizando tais fatos, simplesmente todos os inquéritos e ações que visassem a punir tais crimes seriam arquivados, porque se a lei só agora considerasse tais comportamentos como crime, eles estariam livres, pelo fato de, na época de seu cometimento, não haver lei penal que os punisse.

Diante da descoberta da escancarada manobra, os deputados-beneficiários recuaram, mas, mesmo assim, desfiguraram completamente o projeto do MP, aprovando, por 313 votos a 132 e 5 abstenções, o que eles queriam, e incluíram um “jabuti” sob a forma de emenda, uma lei de abuso de autoridade para punir membros do Judiciário e do MP, numa indisfarçável manobra para enfraquecer essas instituições. Certa ocasião, Lula, quando deputado federal, dissera que a Câmara tinha 300 picaretas. E acertou em cheio e com sobra. 

A desfaçatez daqueles malandros é tanta, que o deputado Weverton Rocha (PDT-MA) foi quem apresentou a emenda que passou no bojo da retalhada e espostejada proposta do MP, que visava conter a corrupção. E quem é Weverton Rocha? Um deputado em primeiro mandato, mas que já tem nas costas o Inquérito 3.394 no Supremo, por corrupção ativa e passiva. O cúmulo, o paradoxo é vivermos em um país em que ladrões querem a prisão de juízes. E um exemplo é a guerra suja contra Moro por conta de vazamentos, preocupação que essas mesmas pessoas não tiveram em convocar o ministro Gilmar Mendes quando vazaram os comprometedores e estranhos diálogos com o ex-senador Aécio Neves e com o ex-governador mato-grossense Silval Barbosa, ambos investigados por grossa corrupção.

Por seu turno, no mesmo dia, tão logo se celebrou a vitória na Câmara, o senador Renan Calheiros, propôs, senvergonhosamente, que se votasse em regime de urgência a matéria no Senado, sem passar pela Comissão de Constituição e Justiça, aproveitando-se do oba-oba que a Câmara proporcionara, mas seu plano gorou. 

E no dia seguinte, tornou-se réu no primeiro dos inquéritos em que foi indiciado. Mas vêm por aí mais uma dezena, que, se o privilégio de foro cair, a coisa vai pretejar ainda mais pro seu lado.

 

(Publicado no “Diário da Manhã” de 17/07/2019)

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