O ESQUEMA DE RICARDO AYRES COM O CRIMINOSO DO RIO DE JANEIRO

O milionário patrimônio escondido do ex-policial Adriano da Nóbrega
VEJA localiza um pedaço da fortuna do ex-policial, que inclui fazendas, participações em empresas e cavalos de raça — tudo registrado em
nome de laranjas
Por Daniel Pereira, Hugo Marques – Atualizado em 16 out 2020, 10h32 – Publicado em 16 out 2020, 06h00
O cartório do município de Pindorama do Tocantins, a 200 quilômetros de Palmas, guarda um documento que pode ajudar as
autoridades do Rio de Janeiro a puxar o fio de uma grande meada. No livro de registro de imóveis da cidade consta que, em
maio deste ano, o “agropecuarista” João da Silva vendeu para o deputado estadual Ricardo Ayres de Carvalho (PSB) uma
fazenda de 534 hectares por 800 000 reais. As terras ficam numa área inóspita, cujo acesso se dá por uma estrada estreita de
terra. Apesar disso, segundo corretores da região, a propriedade valia ao menos duas vezes mais. Mas não é só isso que
chamou a atenção para o negócio. João, o vendedor, não era o dono verdadeiro. Era apenas o laranja, aquele que assume a
responsabilidade por alguma coisa que não é sua para proteger a identidade de alguém que não pode ou não quer aparecer. O
verdadeiro dono era o ex-policial Adriano da Nóbrega.
Em junho de 2018, quando a fazenda Boa Esperança foi comprada por João da Silva, Adriano, um personagem ainda
desconhecido para a maioria dos brasileiros, não queria aparecer. Na época, o Ministério Público do Rio de Janeiro começava
a aprofundar as investigações sobre as rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, especialmente no gabinete do
então deputado estadual Flávio Bolsonaro. A mãe e a ex-mulher do ex-policial trabalhavam com o filho do presidente da
República, e a suspeita é de que ambas participavam do esquema. Adriano era amigo e parceiro de Fabrício Queiroz, apontado
pelos promotores como o responsável pelo recolhimento de parte dos salários dos funcionários. Em janeiro de 2019, o ex- poli –
ESPÓLIO - Adriano: morto em fevereiro, o ex-policial, que fez fortuna na contravenção, deixou um patrimônio de 10 milhões de reais em nome de terceiros, incluindo a fazenda Boa Esperança – Hugo
Marques/VEJA
16/10/2020 O milionário patrimônio escondido do ex-policial Adriano da Nóbrega | VEJA
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“Esse tal de Adriano comprou a terra e passou para o nome do João de Dego. Depois que
mataram ele, o João pegou e vendeu.”
Edinilson Custódio, posseiro da fazenda Boa Esperança
cial teve a prisão decretada, sob a acusação de chefiar um grupo de matadores que operava para uma milícia carioca. Depois
disso, Adriano também não podia aparecer.
Morto em fevereiro deste ano, o ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) tinha pelo menos 10 milhões
de reais, entre valores em espécie e bens registrados em nome de laranjas, segundo pessoas próximas a ele. O ex-policial era
dono de terras, casas, apartamentos, cavalos de raça, carros, empresas e pontos de jogo clandestino que lhe rendiam muito
dinheiro. Nada disso, porém, estava em nome dele. O Ministério Público e a Polícia Civil do Rio tocam investigações a fim de
rastrear a localização dessa herança deixada por Adriano e tentam identificar quem se beneficia ou se apropriou dela. Só em
Tocantins, o ex-policial seria dono de três fazendas registradas em nome de laranjas. A Boa Esperança pode ser um ponto de
partida para mapear esse tesouro oculto.
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Hugo Marques/VEJA
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Em Pindorama, não é segredo para ninguém que o ex-policial era o verdadeiro dono das terras. A propriedade, que pertencia a
Florair Turíbio de Souza, foi adquirida em junho de 2018 por 938 000 reais e registrada em nome de João da Silva, conhecido
na cidade como “João de Dego”, que na época era funcionário de Adriano. Em maio passado, três meses após a morte do excapitão, João revendeu a terra, por 800 000 reais, ao deputado estadual Ricardo Ayres. De origem humilde e atualmente sem
remuneração fixa, João disse a VEJA ter comprado a fazenda com prêmios que recebeu participando de torneios de vaquejada
e comissões obtidas ao intermediar a venda de cavalos. “Sou corredor de vaquejada. Já ganhei mais de quarenta motos e uns
dez carros. O Adriano me contratou para correr para ele me pagando um bom salário”, afirmou João, garantindo que a fazenda
lhe pertencia. Segundo o “agropecuarista”, Adriano, que era aficionado por vaquejadas, ficava com os troféus e ele com todo o
dinheiro dos prêmios. Essa versão é desmentida pelos ex-proprietários da fazenda.
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Gilvan Turíbio Mascarenhas, filho de Florair, que vendeu a propriedade formalmente para João da Silva, confirmou a VEJA
que o verdadeiro comprador das terras foi Adriano da Nóbrega. De acordo com Gilvan, uma irmã do ex-capitão acompanhou o
registro da transação no cartório da cidade, fez os pagamentos devidos e mandou os comprovantes por e-mail. “Eu vi o
Adriano duas vezes aqui em Pindorama. Ele estava sempre junto com o João de Dego. Foi o Adriano que comprou, fez o
pagamento e passou para o nome de João”, disse Gilvan, ressaltando que um dos depósitos foi feito por Raimunda Veras, mãe
do ex- capitão. VEJA visitou a fazenda, que fica a 22 quilômetros da cidade — é cercada por arame farpado, a vegetação é
fechada e dentro dela mora uma família de posseiros. Edinilson Custódio de Jesus ocupa uma área de 6 alquei res há 21 anos.
Ele contou a VEJA que, há dois anos, foi avisado de que a propriedade mudaria de dono. “Eu soube que esse tal de Adriano
comprou a terra e passou para o nome do João de Dego. Depois soube que mataram ele, aí o João pegou e vendeu”, relatou o
posseiro. O comprador da Boa Esperança, o deputado Ricardo Ayres, afirmou, por e-mail, que o negócio foi regular:
“Interessei-me pela aquisição por ser a fazenda vizinha de outra de minha titularidade. Desconheço que citada fazenda seria de
Adriano da Nóbrega”.
As atividades clandestinas do ex- policial lhe renderam uma fortuna. VEJA apurou que o faturamento mensal de Adriano
variava de 250 000 a 350 000 reais, obtidos com seus negócios imobiliários e, principalmente, com o ramo da jogatina. A
morte do ex-capitão não fez seus antigos empreendimentos pararem. As cobranças de aluguéis de apartamentos em
construções irregulares, por exemplo, continuam, mas os valores agora são embolsados por antigos sócios. O mesmo acontece
no caso do jogo. Adriano gostava de investir em cavalos. Um de seus xodós era o quarto de milha Dakar, que foi comprado
por cerca de 150 000 reais e brilhou em competições de vaquejada. Outro destaque do plantel era o também quarto de milha
Mega San, que foi arrematado por cerca de 90 000 reais. Familiares e antigos parceiros dividiram o espólio.
HOBBY CARO - Vaquejadas: aficionado pelo esporte, o ex-policial investia em cavalos de raça que chegavam a custar 150 000 reais – //Reprodução
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Raimunda Veras foi funcionária de Flávio Bolsonaro na Alerj entre 2016 e 2018. Dona de dois restaurantes que seriam usados
para lavar dinheiro, a mãe de Adriano conseguiu a vaga graças à proximidade do filho com Queiroz. Os dois trabalharam
juntos no 18º Batalhão da Polícia Militar. Pelas mãos de Queiroz, também foi empregada no gabinete do filho Zero Um do
presidente a ex-mulher de Adriano, Danielle Mendonça da Nóbrega. Certidões obtidas em cartórios do Rio mostram que
Danielle participou de várias transações imobiliárias com Adriano. Quando o escândalo da rachadinha veio à tona, Adriano
orientou a sua ex-mulher a não prestar de poi men tos ao Ministério Público: “O amigo pediu pra vc não ir em lugar nenhum e tb
não assinar nada”. Danielle respondeu que tinha acabado de sair do “advogado indicado” e mandou a foto de um ofício do MP
que ela assinara. “Vou passar pra ele”, para o amigo, retrucou Adriano. Os investigadores acreditam que o tal amigo era
Fabrício Queiroz.
Além de segredos sobre o caso da rachadinha, Adriano guardava consigo informações sobre as relações entre contraventores e
autoridades do Rio, azeitadas graças ao pagamento de propinas. Reportagem de VEJA de fevereiro passado revelou que, antes
de morrer, o ex-capitão contou a sua mulher, Júlia Lotufo, que teria repassado dinheiro para custear a campanha de Wilson
Witzel, que à época tinha como principal cabo eleitoral justamente o hoje senador Flávio Bolsonaro. Adriano foi morto pela
polícia da Bahia numa operação até hoje não devidamente esclarecida. Mas, cedo ou tarde, seus segredos virão à tona.
Com reportagem de Cássio Bruno 

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