Trio ventura: Aras, Kássio Nunes e André Mendonça podem abandonar Bolsonaro e se alinhar a Lula

As perspectivas ancoram-se em acenos de Nunes Marques e Mendonça pós-eleições. Ambos tiveram conversas amistosas com Geraldo Alckmin, conhecido pelo trânsito em diversos espectros políticos. Antes disso, buscaram emissários de Lula. Nunes Marques telefonou para um conterrâneo e amigo pessoal, Wellington Dias, cotado para o alto escalão. “Colocou-se à disposição para qualquer diálogo”, resume um aliado do ex-governador do Piauí. Já Mendonça procurou Paulo Rocha, líder do PT no Senado, para um tête-à-tête, no qual, aliás, reafirmou a confiança no sistema eleitoral.

Mais do que isso, petistas sublinham traços do perfil da dupla na aposta de que os dois vão “lular”. Nunes Marques é visto como “pragmático”, inclinado ao alinhamento ao Planalto, não importa quem o ocupe. Experiente no jogo político, o ministro entende o peso dos gestos para a construção da influência. A prova ocorreu na atual gestão. A fidelidade de Marques a Bolsonaro foi tão grande que o presidente chegou a declarar que ele o “ajudou muito” no STF. “Nem falo, ele sabe o que tem que fazer”, brincou. Afinado, Marques ganhou voz e teve força o suficiente, por exemplo, para barrar a escolha do desembargador Ney Bello, um de seus algozes, para o STJ e emplacar aliados na Justiça. Apesar dos louros colhidos, já confidencia nos bastidores que, com a vitória de Lula, poderá mostrar independência no STF. Em tradução livre, o interesse pelo Poder tende a fazê-lo abandonar o barco do bolsonarismo e pular no do petismo.

Não seria uma grande novidade. As raízes de Nunes Marques têm vínculos com o PT — ele teve duas nomeações assinadas por Lula para uma vaga no TRE do Piauí. O histórico lhe rendeu críticas de bolsonaristas, como Olavo de Carvalho e Silas Malafaia, à época de sua designação para o STF. A fúria cresceu quando o ministro votou pelo reconhecimento da parcialidade de Sergio Moro e a anulação das condenações do petista. Comenta-se no círculo dele, porém, que Nunes Marques jamais o teria feito sem o sinal verde de Bolsonaro.

André Mendonça, na outra ponta, é classificado como um nome “técnico” e “diplomático” — justamente por isso, petistas descartam o risco de ele servir como ventríloquo à oposição. Melhor visto no PT do que Nunes Marques, o último indicado por Bolsonaro ao STF, ainda que tenha cedido ao presidente em alguns momentos, soube se impor. O voto pela condenação de Daniel Silveira costuma ser lembrado como uma sinalização de que ele não se norteará pela voz do radicalismo. No STF, a percepção se repete. “Mendonça nunca demonstrou propensão em fazer ‘qualquer coisa’ por Bolsonaro, como Nunes Marques. Ele deve manter os votos com grande embasamento jurídico, mas com mais isenção”, comenta um interlocutor do Supremo.

Capitólio brasileiro

Na Procuradoria-Geral da República, o clima é semelhante. Com o trabalho classificado como “excepcional” por Bolsonaro, Augusto Aras já ensaia soltar a mão do presidente, a quem blindou durante todo o governo. Alguns movimentos foram vistos com bons olhos no PT, como a movimentação de Aras, após cobranças, para desbloquear avenidas obstruídas por atos golpistas e a postura dele em reiterar, nos bastidores, que “não vai ter 6 de janeiro”, em referência à invasão do Capitólio, e que “não vai ter golpe”.

Aras tem dito a colegas que conduzirá com Lula “a mesma relação que teve com o atual governo, respeitando as leis e, especialmente, a Constituição”. Um aliado aponta que ele seguirá “avesso à espetacularização”. “Quem espetacularizou, está pagando um preço”, pontua, sob reserva. “Lula teve as condenações anuladas porque atores jurídicos, inclusive do Ministério Público, agiram ao arrepio da lei”, completa.

O tom crítico de Aras à Lava Jato, aliás, é um ponto que pesa para Lula “não desgostar” dele. Como bônus, o PGR tem bom trânsito entre aliados do presidente eleito, sobretudo na Bahia — Jaques Wagner e Otto Alencar são exemplos. Tanto ele quanto Lindôra Araújo, porém, não têm esperança em serem reconduzidos à cúpula do Ministério Público. Devem somente conduzir uma relação “equilibrada” com o próximo governo até novembro, quando acaba o mandato de Aras e Lula indicará o novo PGR. O tradicionalrealinhamento de forças em Brasília já começou.

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