Pesquisador e filha cientista desenvolvem técnicas que detectam tumores

Pesquisador e filha cientista desenvolvem técnicas que detectam tumores

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Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e associado ao movimento Docentes pela Liberdade, Marcos Eberlin criou uma das técnicas que a filha Lívia utilizou para produzir a caneta do câncer

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Quando Marcos Eberlin iniciou seu pós-doutorado na Universidade Purdue, nos Estados Unidos, em 1989, a espectrometria de massas era o patinho feio da ciência. Essa técnica identifica moléculas específicas ao medir suas massas e descrever suas estruturas. Naquele momento, tinha poucos usos, não atraía muitos interessados. Ainda assim, no doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ouviu de um professor que era o técnica do futuro.

“Por fé, acreditei”, lembra.

Na mesma época, começava a se popularizar o método de ionização por eletrospray (ESI) aplicada a espectrometria de massa, criada em 1984 por John Fenn – que receberia o Prêmio Nobel de Química de 2012 pelo feito. “Antes a técnica só permitia analisar aromas de plantas, solventes, pequenas moléculas, pouca coisa. Esse método tornou possível a análise de todas as biomoléculas”, afirma Eberlin. “Assim, o patinho feio virou um lindo cisne”.

De volta ao Brasil, o professor criou, na Unicamp, o laboratório ThoMSon de Espectrometria de Massas, que coordenou por 25 anos. “Naquele momento, eu era especialista em uma técnica que todos queriam, mas poucos no Brasil dominavam. Estava no lugar certo, na hora certa”. O laboratório se tornou referência internacional recebendo frequentemente visitas de delegações de pesquisadores do Brasil ou de outros países.

“Lá batemos vários recordes: formamos mais de 200 mestres, doutores e pós doutores, publicamos mais de 1000 artigos, com cerca de 30 mil citações, nucleamos novos laboratórios e criamos a Sociedade Brasileira de Espectrometria de Massas (BrMASS), que tem mais de 3 mil membros e é uma das maiores do mundo”, afirma o professor, que é hoje seu presidente.

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Caneta que detecta câncer

 

Em 2014, Eberlin, iniciou nova fase em sua carreira. Convidado a atuar como pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ele criou o MackMass, um laboratório de espectrometria de massas associado ao Mackgraphe, o primeiro de grafeno na América Latina.

“Na Unicamp eu atuava em várias áreas. Agora, no Mackenzie, desenvolvemos técnicas de diagnóstico e prognóstico em ciências da vida, combinando nanomateriais com espectrometria de massas”.

Hoje, seu trabalho tem dois focos principais: vírus e tumores.

Utilizando primeiro a espectrometria e depois nanossensores, que têm milionésimos de centímetros de tamanho, a técnica monitora a presença de vírus no organismo, e mais ainda, prevê como o paciente reagirá à infecção. Assim, os profissionais de saúde podem escolher o melhor tratamento.

“Os primeiros resultados estão para ser publicados. Serve para identificar diferentes vírus, incluindo o Covid-19”, afirma o pesquisador. Em identificação de câncer, Eberlin atua em parceria com sua filha, Lívia.

Pesquisas de Lívia Eberlin, iniciadas em trabalhos anteriores com o pai, e usando uma adaptação de uma de suas técnicas, chegaram a uma caneta capaz de identificar tumores em poucos segundos. Trata-se da MasSpec Pen, que identifica tecidos afetados pela doença em cirurgias, com agilidade e eficiência, permitindo a retirada do tumor com uma precisão que subiu de uns 65% para cerca de 98%.

Atualmente, os médicos precisam enxergar, no microscópio, durante a cirurgia, até onde vai o tumor e onde começa um órgão saudável, o que demora muito. Às vezes, fica ainda tumor não removido, o que requer uma nova cirurgia, ou retira-se mais do que o necessário. A caneta – que usa água para extrair do tecido moléculas marcadores de doenças, como os lipídios – evita esses problemas.

A pesquisadora agora coordena um laboratório de pesquisas na Universidade do Texas. A técnica já é utilizada no Hospital Boldrini, em Campinas. Hoje a caneta está sendo instalada no MackMass e será aplicada em várias frentes, como para identificar, pela saliva, a presença de vírus, como o que causa a Covid-19, ou câncer de boca. “O céu é o limite”, anuncia.

“Queremos usar a caneta e outras técnicas similares que desenvolvemos juntamente com novos sensores baseados em nanomateriais para salvar vidas e ajudar no prognóstico e no diagnóstico de doenças e infecções”.

Pai e filha têm sido premiados por seus trabalhos: em 2016, Livia recebeu um cobiçado prêmio nos USA, O “Genius Award” da MarcArthur Foundation, que se soma a quase três dezenas de outros grandes prêmios, sendo talvez a cientista brasileira mais premiada da história, comenta Eberlin. No mesmo ano, o pai foi condecorado com uma medalha J. J. Thomson, o primeiro sulamericano a alcançar esse feito – ele assim se junta a alguns ganhadores do prêmio Nobel que também receberam essa honraria. Eberlin apareceu recentemente também na lista dos pesquisadores mais influentes no mundo, o melhor colocado da Química da Unicamp e entre os 3 da Universidade Mackenzie, e foi um dos 10 químicos analíticos sulamericanos listados na “Powerlist 2020”.

Busca por relevância

 

Químico de formação e associado ao movimento Docentes pela Liberdade (DPL), Marcos Eberlin tem 61 anos e acompanha de perto os debates no DPL pelo aumento da relevância da produção acadêmica nacional.

“Ao longo de quatro décadas na academia, vivi a fase em que o pesquisador defendia sua tese, diante de toda a família, e depois o trabalho era, muitas vezes, encadernado e ‘escondido’ na biblioteca”. Depois veio a fase de publicar, e cada vez mais”, lembra ele. Foi um avanço, avalia, até que a cobrança por quantidade de artigos se tornou excessiva.

“Muitos pesquisadores passaram a dividir um grande artigo em dois ou três, ou publicar resultados pouco significativos. Surgiram revistas do tipo “submeteu, publicou” e trabalhos sem relevância, com zero de citações. Nem os próprios autores citavam suas pesquisas! Porque eram trabalhos produzidos apenas para satisfazer critérios”.

Eberlin vê com otimismo as mudanças de rumo recentes na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

“A Capes vem sinalizando para a qualidade medida pelo impacto, com menos ênfase em quantidade. Afinal, melhor um artigo citado por 100 pesquisadores do que 100 artigos citados por apenas um, ou nenhum”.

Não é uma questão apenas acadêmica. “Como o DPL tem demonstrado muito bem, quando há liberdade e foco no impacto e qualidade na produção científica, o país experimenta junto um grande desenvolvimento econômico”.

Rodolfo Haas

Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e associado ao movimento Docentes pela Liberdade, Marcos Eberlin criou uma das técnicas que a filha Lívia utilizou para produzir a caneta do câncer

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Quando Marcos Eberlin iniciou seu pós-doutorado na Universidade Purdue, nos Estados Unidos, em 1989, a espectrometria de massas era o patinho feio da ciência. Essa técnica identifica moléculas específicas ao medir suas massas e descrever suas estruturas. Naquele momento, tinha poucos usos, não atraía muitos interessados. Ainda assim, no doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ouviu de um professor que era o técnica do futuro.

“Por fé, acreditei”, lembra.

Na mesma época, começava a se popularizar o método de ionização por eletrospray (ESI) aplicada a espectrometria de massa, criada em 1984 por John Fenn – que receberia o Prêmio Nobel de Química de 2012 pelo feito. “Antes a técnica só permitia analisar aromas de plantas, solventes, pequenas moléculas, pouca coisa. Esse método tornou possível a análise de todas as biomoléculas”, afirma Eberlin. “Assim, o patinho feio virou um lindo cisne”.

De volta ao Brasil, o professor criou, na Unicamp, o laboratório ThoMSon de Espectrometria de Massas, que coordenou por 25 anos. “Naquele momento, eu era especialista em uma técnica que todos queriam, mas poucos no Brasil dominavam. Estava no lugar certo, na hora certa”. O laboratório se tornou referência internacional recebendo frequentemente visitas de delegações de pesquisadores do Brasil ou de outros países.

“Lá batemos vários recordes: formamos mais de 200 mestres, doutores e pós doutores, publicamos mais de 1000 artigos, com cerca de 30 mil citações, nucleamos novos laboratórios e criamos a Sociedade Brasileira de Espectrometria de Massas (BrMASS), que tem mais de 3 mil membros e é uma das maiores do mundo”, afirma o professor, que é hoje seu presidente.

Caneta que detecta câncer

 

Em 2014, Eberlin, iniciou nova fase em sua carreira. Convidado a atuar como pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ele criou o MackMass, um laboratório de espectrometria de massas associado ao Mackgraphe, o primeiro de grafeno na América Latina.

“Na Unicamp eu atuava em várias áreas. Agora, no Mackenzie, desenvolvemos técnicas de diagnóstico e prognóstico em ciências da vida, combinando nanomateriais com espectrometria de massas”.

Hoje, seu trabalho tem dois focos principais: vírus e tumores.

Utilizando primeiro a espectrometria e depois nanossensores, que têm milionésimos de centímetros de tamanho, a técnica monitora a presença de vírus no organismo, e mais ainda, prevê como o paciente reagirá à infecção. Assim, os profissionais de saúde podem escolher o melhor tratamento.

“Os primeiros resultados estão para ser publicados. Serve para identificar diferentes vírus, incluindo o Covid-19”, afirma o pesquisador. Em identificação de câncer, Eberlin atua em parceria com sua filha, Lívia.

Pesquisas de Lívia Eberlin, iniciadas em trabalhos anteriores com o pai, e usando uma adaptação de uma de suas técnicas, chegaram a uma caneta capaz de identificar tumores em poucos segundos. Trata-se da MasSpec Pen, que identifica tecidos afetados pela doença em cirurgias, com agilidade e eficiência, permitindo a retirada do tumor com uma precisão que subiu de uns 65% para cerca de 98%.

Atualmente, os médicos precisam enxergar, no microscópio, durante a cirurgia, até onde vai o tumor e onde começa um órgão saudável, o que demora muito. Às vezes, fica ainda tumor não removido, o que requer uma nova cirurgia, ou retira-se mais do que o necessário. A caneta – que usa água para extrair do tecido moléculas marcadores de doenças, como os lipídios – evita esses problemas.

A pesquisadora agora coordena um laboratório de pesquisas na Universidade do Texas. A técnica já é utilizada no Hospital Boldrini, em Campinas. Hoje a caneta está sendo instalada no MackMass e será aplicada em várias frentes, como para identificar, pela saliva, a presença de vírus, como o que causa a Covid-19, ou câncer de boca. “O céu é o limite”, anuncia.

“Queremos usar a caneta e outras técnicas similares que desenvolvemos juntamente com novos sensores baseados em nanomateriais para salvar vidas e ajudar no prognóstico e no diagnóstico de doenças e infecções”.

Pai e filha têm sido premiados por seus trabalhos: em 2016, Livia recebeu um cobiçado prêmio nos USA, O “Genius Award” da MarcArthur Foundation, que se soma a quase três dezenas de outros grandes prêmios, sendo talvez a cientista brasileira mais premiada da história, comenta Eberlin. No mesmo ano, o pai foi condecorado com uma medalha J. J. Thomson, o primeiro sulamericano a alcançar esse feito – ele assim se junta a alguns ganhadores do prêmio Nobel que também receberam essa honraria. Eberlin apareceu recentemente também na lista dos pesquisadores mais influentes no mundo, o melhor colocado da Química da Unicamp e entre os 3 da Universidade Mackenzie, e foi um dos 10 químicos analíticos sulamericanos listados na “Powerlist 2020”.

Busca por relevância

 

Químico de formação e associado ao movimento Docentes pela Liberdade (DPL), Marcos Eberlin tem 61 anos e acompanha de perto os debates no DPL pelo aumento da relevância da produção acadêmica nacional.

“Ao longo de quatro décadas na academia, vivi a fase em que o pesquisador defendia sua tese, diante de toda a família, e depois o trabalho era, muitas vezes, encadernado e ‘escondido’ na biblioteca”. Depois veio a fase de publicar, e cada vez mais”, lembra ele. Foi um avanço, avalia, até que a cobrança por quantidade de artigos se tornou excessiva.

“Muitos pesquisadores passaram a dividir um grande artigo em dois ou três, ou publicar resultados pouco significativos. Surgiram revistas do tipo “submeteu, publicou” e trabalhos sem relevância, com zero de citações. Nem os próprios autores citavam suas pesquisas! Porque eram trabalhos produzidos apenas para satisfazer critérios”.

Eberlin vê com otimismo as mudanças de rumo recentes na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

“A Capes vem sinalizando para a qualidade medida pelo impacto, com menos ênfase em quantidade. Afinal, melhor um artigo citado por 100 pesquisadores do que 100 artigos citados por apenas um, ou nenhum”.

Não é uma questão apenas acadêmica. “Como o DPL tem demonstrado muito bem, quando há liberdade e foco no impacto e qualidade na produção científica, o país experimenta junto um grande desenvolvimento econômico”.

Rodolfo Haas

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