As práticas que mais ajudam (ou atrapalham) o Brasil na educação, segundo pesquisa global

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Legenda da foto,OCDE encontrou relação entre desempenho dos estudantes no Pisa e práticas do cotidiano da escola

Em tempos tão desafiadores para a educação global, mesclando pandemia, crise econômica, aumento na desigualdade social e mudanças profundas no mercado de trabalho, que práticas adotadas por países e suas escolas os ajudaram a melhorar o desempenho dos estudantes?

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), entidade que aplica o exame internacional de educação Pisa, tentou traçar um panorama dessas práticas, a partir de comparações entre o desempenho dos estudantes na prova de 2018 (a mais recente) e outros dados da educação nos países.

Também entram na conta as respostas dadas por alunos e professores em um questionário aplicado simultaneamente ao Pisa, na busca de práticas cotidianas e infraestrutura educacional que possa ter impacto direto no bem-estar e na performance dos estudantes.

O resultado foi apresentado nesta terça (29/9) em um relatório chamado “Políticas eficientes, escolas de sucesso”, que analisa dados dos 79 países ou regiões avaliadas no Pisa — Brasil entre eles.

Os dados do exame, divulgados em dezembro de 2019, mostraram leve melhora do Brasil nas três competências avaliadas — leitura, matemática e ciências —, mas em nível considerado “estacionado” e ainda longe do salto de qualidade necessário para alcançar os países e regiões com as notas mais altas do Pisa, como cidades chinesas, Cingapura e Canadá.

Segundo a OCDE, “políticas e práticas de gerenciamento escolar têm um papel-chave em determinar como os sistemas educacionais respondem aos desafios” dos tempos atuais, desde no agrupamento e seleção dos estudantes até a quantidade de recursos investidos na educação.

“Em tempos de déficits orçamentários crescentes (dos países), gastos com educação têm de ser inteligentes e apropriados”, defende a OCDE. “O que o Pisa demonstra, consistentemente, é que, depois que um certo limiar (de gastos por aluno) é alcançado, a diferença na educação não se dá tanto por quanto dinheiro é investido, mas sim como esse dinheiro é alocado.”

A seguir, a BBC News Brasil lista, a partir do relatório, práticas que a OCDE aponta como relevantes para o aprendizado dos alunos, com aparente correlação com o desempenho deles no Pisa:

Corpo de funcionários da escola

Dos alunos brasileiros que participaram do Pisa em 2018, cerca de um terço está em escolas que, segundo seu diretor, tiveram o ensino de alguma forma afetado negativamente pela escassez de funcionários (embora só 17,6% estivessem em escolas cujo ensino foi, na visão de diretores, afetado pela escassez especificamente de professores).

Em foto tirada de cima, duas crianças com seus livros didáticos e um adulto mostrando algo no celular
Legenda da foto,No Brasil, em 2018, apenas 26% dos estudantes estavam em escolas cujos diretores disseram haver banda larga suficiente para suas necessidades. E só 35% estavam em escolas cujos diretores diziam ter, na época, plataforma efetiva para o ensino online

É uma média semelhante à dos demais países da OCDE, mas com aparente impacto negativo no desempenho em dos alunos, diz a entidade.

“Mesmo depois de se levar em conta o perfil socioeconômico de estudantes e escolas, em 17 países e economias, estudantes de escolas com mais escassez de funcionários tiveram notas mais baixas (no Pisa)”, segundo o relatório.

O mesmo valeria para a escassez de recursos materiais: quanto maior essa escassez, maior a correlação com uma performance pior no exame, mesmo quando se leva em conta a diferença socioeconômica entre as escolas.

Já o espaço físico adequado pode ter influências positivas: o relatório aponta que escolas que oferecem salas para as crianças fazerem lição de casa tiveram melhor performance em todas as competências do Pisa (leitura, ciências e matemática).

Computadores por aluno e capacidade de ensino remoto

No Brasil, havia um computador para cada quatro alunos dentro de sua escola, bem abaixo da média da OCDE (de um computador por estudante).

E o dado também esconde disparidades: 68% dos estudantes brasileiros de escolas em melhor situação econômica tinham acesso a equipamentos tecnológicos suficientes. Mas só 10% dos alunos de escolas mais pobres puderam dizer o mesmo.

No entanto, na média dos países medidos, o maior acesso à tecnologia não se traduziu em melhores notas no Pisa. “A descoberta indica que é necessário mais do que prover tecnologia para obter resultados melhores”, diz o relatório, agregando que “disponibilizar aparelhos não será útil a não ser que eles sejam adequados às tarefas em questão”.

Lousa
Legenda da foto,“Em tempos de déficits orçamentários crescentes (dos países), gastos com educação têm de ser inteligentes e apropriados”, defende a OCDE. “O que o Pisa demonstra, consistentemente, é que, depois que um certo limiar (de gastos por aluno) é alcançado, a diferença na educação não se dá tanto por quanto dinheiro é investido, mas sim como esse dinheiro é alocado.”

Mas a OCDE mediu também a capacidade de ensino remoto dos países, algo que – embora a medição seja de 2018 e esteja, portanto, desatualizada – se mostrou crucial para minimizar os efeitos da pandemia do coronavírus sobre a educação.

No Brasil, apenas 26% dos estudantes estavam em escolas cujos diretores disseram haver banda larga suficiente para suas necessidades em 2018. E só 35% estavam em escolas cujos diretores diziam ter, na época, plataforma efetiva para o ensino online.

Desvantagens socioeconômicas

Nas medições da OCDE, um estudante de 15 anos (média de idade dos alunos que fazem o Pisa) mais pobre tinha três vezes mais chance de ter repetido de série ao menos uma vez, em comparação com estudantes em melhor situação socioeconômica.

E a repetência, por sua vez, influencia no desempenho: “em todos os países e economias participantes (do Pisa), os que tinham menores parcelas de estudantes repetentes apresentavam nota média maior em leitura e mais equidade no desempenho em leitura, mesmo se levando em conta o PIB per capita”, diz o relatório.

“Claramente, todos os países têm estudantes excelentes, mas poucos países capacitam seus estudantes a serem excelentes e alcançarem seu potencial”, prossegue o texto. “Alcançar mais equidade na educação não é apenas um imperativo de justiça social, mas também uma forma de usar recursos de modo mais eficiente, aumentando a oferta de habilidades para estimular o crescimento econômico e promover a coesão social.”

Ao mesmo tempo, diz a OCDE, países e economias tendem a ter mais equidade na educação quando mantêm uma comunicação próxima com os pais dos alunos, estão abertos ao feedback dos estudantes e fazem consultas constantes sobre o que pode ser melhorado na escola ou nas políticas educacionais locais.

Alunos da rede estadual do Rio, em foto de 2014
Legenda da foto,“Claramente, todos os países têm estudantes excelentes, mas poucos países capacitam seus estudantes a serem excelentes e alcançarem seu potencial”; acima, sala de aula em foto de 2014

A combinação bem-sucedida das escolas de alta performance

Segundo a OCDE, o Pisa também mostra que, “em países e economias de alta performance (no exame), os que têm mais equidade na educação, uma combinação de autonomia às escolas e uma responsabilidade (accountability) mais centralizada trabalham em comum acordo para dar um apoio mais efetivo ao ensino e ao aprendizado.”

Na prática, isso se dá, por exemplo, criando mecanismos de gerenciamento no âmbito distrital ou nacional, estimulando que alunos e comunidade proponham melhorias, enquanto, no âmbito da escola, “há a responsabilidade de garantir que os estudantes vão aprender” e pondo em prática as avaliações que vão medir isso.

No geral, aponta o relatório, “para os alunos com as habilidades e conhecimentos certos, a digitalização e a globalização têm sido empolgantes e libertadoras. Para os que não estão suficientemente preparados, essas tendências podem significar vulnerabilidade e insegurança profissional, e uma vida de poucas perspectivas. (…) A distribuição de conhecimento e de prosperidade é essencial, e só será possível pela distribuição de oportunidades de educação.”