Chegou a hora dos sem foro

Chegou a hora dos sem foro

 

Liberato Póvoa

 

Acabo de ler na mais recente edição da excelente revista “Piauí”, um oportuníssimo artigo de Flávia Tavares, que descreve o pavor em que se acham os que foram expurgados da vida parlamentar pela carência de votos, mesmo porque o povo já estava enfastiado desses vagabundos, que por anos a fio sempre se locupletaram às nossas custas.

Exemplificando: o deputado federal Lúcio Vieira Lima, do MDB baiano, irmão do “honestíssimo” Geddel Vieira Lima, passou quase dez anos sem se submeter a um “check-up”, cujos resultados não foram animadores. A diabete, que apareceu “de repente”, apresentou níveis preocupantes. Cerca de 25% de uma carótida está com entupimento. Também foram constatadas esofagite e úlcera, tudo decorrente da má alimentação e do estresse de alguém que passou muito tempo na estrada, em busca de novos eleitores.

Na última campanha eleitoral, o baiano obteve só 55 743 votos, que não foram suficientes para que pudesse voltar à Câmara dos Deputados.

Ao deixar a vida pública, ele perde, além do salário de 33 700 reais e das verbas que alavancam sempre o enriquecimento sem causa, o privilégio do foro no Supremo Tribunal Federal – e passará a ser julgado pela primeira instância, sendo alvo de cinco inquéritos no STF, e em um dos processos é investigado, junto com os senadores Romero Jucá, Eunício Oliveira, Renan Calheiros, todos do MDB, e o deputado Rodrigo Maia (DEM), pela acusação de receber propinas da Odebrecht. Lima teria embolsado 1 milhão de reais, conforme a acusação. Ele nega (todos negam). Os senadores Jucá e Oliveira também perderão o foro privilegiado, ao passo que Calheiros e Maia seguirão protegidos – o primeiro foi reeleito para o Senado, e o segundo, para a Câmara.

O STF pode decidir por desmembrar o processo e mandar Lima para o andar de baixo. O deputado jura que não tem preferência e que não se assusta com a primeira instância, talvez porque ela não seja novidade em sua família. Seu irmão Geddel Vieira Lima, ex-ministro, foi preso por ordem de um juiz de primeira instância por causa de outro processo em que Lima está igualmente envolvido – aquele dos 51 milhões de reais encontrados em caixas e malas num apartamento. “A Justiça é uma só. Minha estratégia é a mesma: vou me defender aonde quer que me mandem”, alega.

 Políticos que perderão o foro privilegiado em 2019 tentam aparentar tranquilidade. Pude contar nada menos que 25 pessoas enroscadas em acusações na Lava Jato ou suas derivações. São caciques emedebistas, como Edison Lobão, 82 anos, Garibaldi Alves Filho, 71, e Valdir Raupp, 63. São figuras outrora invulneráveis de outros partidos, como José Agripino Maia, 73 anos, e Heráclito Fortes, 68, ambos do DEM, Jutahy Magalhães, 63, do PSDB, e Zeca do PT, 68.

Nenhum deles está disposto a admitir o próprio temor. Como o goleiro diante do pênalti, enfrentam solitariamente a angústia do inevitável.

O senador Garibaldi Alves Filho disse estar “muito tranquilo”, apesar das acusações feitas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que delatou um esquema que movimentou cerca de 100 milhões de reais em propinas via doação oficial na processadora de gás. No inquérito, Alves Filho é citado ao lado de Calheiros, Jucá e do ex-presidente José Sarney. 

Os políticos já haviam perdido o privilégio de terem seus processos examinados pelo STF em maio do ano passado, quando a instituição máxima do Judiciário decidiu que deputados e senadores só poderiam gozar de tal regalia se o crime de que são acusados tiver sido praticado durante o mandato que cumpriam e em razão dele.

Em 11 de dezembro, foi aprovada na Câmara dos Deputados, em questão de instantes, uma proposta de emenda constitucional que derruba o foro privilegiado para os mais de 55 mil cidadãos que dele usufruem (o benefício hoje também vale para membros do Judiciário). O foro privilegiado foi mantido apenas para os presidentes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A proposta de emenda pode ser votada em plenário na legislação que começa, mas será preciso que sejam encerradas as intervenções federais no Rio de Janeiro e em Roraima, que impedem a tramitação de qualquer proposta de alteração da Constituição.

A agilidade com que o fim do foro privilegiado tramitou no Congresso, na última legislatura, causou estranheza. Pelos corredores, os parlamentares faziam ecoar a ideia de que as instâncias inferiores seriam mais confortáveis para os políticos do que o STF, porque naquelas os processos andam mais rapidamente.

Tem-se a impressão de que eles estão com pressa de ser julgados. Mas não é bem o caso. A lentidão dita o andamento, por exemplo, de um processo enviado pelo ministro Edson Fachin, em fevereiro do ano passado, para a primeira instância do Ceará. A investigação é de irregularidades que datam de 2014 e envolvem o senador eleito Cid Gomes (PDT) no caso da JBS. Somente no final de setembro a Justiça Federal cearense determinou a abertura de inquérito. Foram sete meses para dar sequência a um procedimento corriqueiro. Políticos poderosos estão contando com a sua influência em judiciários locais para ditar o ritmo de seus processos na primeira instância.

Como não se pode contar apenas com isso, Jucá e Oliveira burilam outras estratégias políticas e jurídicas com a experiência de quem enfrentou muitos inquéritos ao longo da carreira. Desde as derrotas nas urnas, eles têm evitado holofotes. Nos bastidores, seguem mais atuantes do que nunca. Ainda como presidente do Senado, Oliveira articulou no ano passado a votação e a aprovação do reajuste de salário dos ministros do STF, que incentivaria, por consequência, o aumento do restante do Judiciário. E Jucá, mesmo sem cadeira na próxima legislatura, tornou-se, nos estertores de seu mandato, um dos cabos eleitorais mais apressados de Calheiros.

Por outro lado, teme-se que no andar de baixo um juiz mais assanhado pretenda ocupar, junto à opinião pública, o lugar de Sérgio Moro como juiz rigoroso e veloz – Marcelo Bretas, do Rio, é quem tem demonstrado mais apetite. “Eu sou contra o foro de prerrogativa. Mas a tensão é inegável. Existe agora essa cultura instituída por Moro de prender para investigar, sem contemporaneidade, esses excessos de arbítrio na primeira instância”, disse Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado de Jucá e mais dezesseis enrolados na Lava Jato. “O Poder Judiciário deveria ser sereno. Não se deviam temer os filhotes do Moro. Quer dizer, do ex-Moro, né? O novo Moro sequer se manifesta.”

De uma forma ou de outra, o melhor que os bandidos lavajatistas devem fazer é fingir-se de calmos, porque sabem que, mais cedo ou mais tarde, acabarão caindo nas malhas da lei. E desta vez com o grupo engordado por personagens que subiram no palco deste teatro de variedades, por falcatruas praticadas nos últimos anos: Dilma, Temer, Padilha, Moreira Franco, Sarney… e por aí vai.

 

(Publicado no ”Diário da Manhã” de 17/01/2019)

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