China espera que Bolsonaro leve a Pequim posição de neutralidade na guerra comercial

País quer sinalização de que empresas chinesas são bem-vindas no Brasil

Raquel Landim
BRASÍLIA

O regime chinês espera duas sinalizações importantes do presidente Jair Bolsonaro durante sua primeira visita oficial ao gigante asiático entre os dias 24 e 26 de outubro.

A primeira é que o Brasil se manterá neutro na guerra comercial travada entre a China e os Estados Unidos. A segunda —que está ligada à anterior— é que as empresas chinesas são bem-vindas ao país.

Segundo fontes em Pequim, não há nenhuma expectativa entre os chineses de receber apoio do governo brasileiro no conflito, dado o alinhamento entre Bolsonaro e o presidente americano Donald Trump.

O que a diplomacia chinesa almeja obter do Brasil é equidistância em prol do significativo intercâmbio comercial. Principal cliente do país no exterior, a China comprou US$ 63,92 bilhões (R$ 259,3 bilhões) em produtos brasileiros em 2018, o equivalente a 26,7% das exportações totais.

O líder Xi Jinping durante as celebrações dos 70 anos da Revolução Chinesa
O líder Xi Jinping durante as celebrações dos 70 anos da Revolução Chinesa – Yan Yan – 1º.out.19/Xinhua

Já a posição de Bolsonaro em relação à China é uma incógnita. Nos ministérios da Agricultura e da Economia, a recomendação é de pragmatismo, já que retaliações chinesas podem afetar o agronegócio.

Os três produtos mais exportados para a China são soja, minério de ferro e petróleo.

Por outro lado, os principais conselheiros de política externa do presidente —o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e o assessor internacional Felipe Martins— são muito ligados à direita radical americana, que é ácida nos ataques a China.

A visita de Bolsonaro a Pequim será curta. O primeiro destino de seu giro asiático será o Japão, onde ele irá à cerimônia de coroação do imperador japonês Naruhito em Tóquio e aproveitará para participar de reuniões bilaterais com autoridades estrangeiras.

Além de uma audiência privada com o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, que promoverá jantar para chefes de estado, Bolsonaro deve ter encontros com o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, e com o presidente da Polônia, Andrzej Duda.

Como preparação para a cúpula dos Brics, que será realizada em novembro, em Brasília, o Palácio do Planalto também tem discutido a viabilidade de conversas reservadas de Bolsonaro com os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Índia, Ram Nath Kovind.

O brasileiro chega a Pequim no no fim da tarde de 24 de outubro. Na manhã do dia seguinte, fala a um grupo de empresários chineses e brasileiros. À tarde, a previsão é de reuniões com o líder da ditadura chinesa, Xi Jinping, e com o premiê, Li Keqiang. Bolsonaro deixa o país no dia 26 logo cedo rumo a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.

Um tema sensível que pode surgir na conversa com os líderes chineses é a situação da empresa de tecnologia Huawei. Detentora da tecnologia 5G, a gigante chinesa se tornou alvo preferencial de Trump e está tentando se fortalecer no mercado brasileiro.

Existem especulações —já negadas pela empresa— de que a Huawei tem interesse na compra da Oi, a chamada “supertele” brasileira que está em recuperação judicial. A companhia americana AT&T também estaria no páreo.

A despeito do tamanho do comércio entre Brasil e China, não está previsto, por enquanto, nenhum anúncio de fôlego nessa área durante a viagem.

Podem ser assinados alguns protocolos fitossanitários liberando a exportação de farelo de soja e frutas, além da certificação de mais frigoríficos para a venda de carne.

A China está fora do radar do governo brasileiro para acordos de livre comércio, embora a atual gestão tenha se engajado no tema. Depois da assinatura de um tratado com a União Europeia, os esforços do governo brasileiro agora estão voltados para os EUA.

Na Ásia, o Brasil tem negociações avançadas com a Coreia do Sul e conversas iniciais com Japão e Vietnã, entre outros. As discussões, porém, ficaram momentaneamente paradas à espera das eleições na Argentina, principal parceiro do Brasil no Mercosul.

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro chegou a alarmar o governo chinês quando visitou Taiwan, um tema delicado na política local. O presidente também deu declarações polêmicas dizendo que “a China não está comprando no Brasil, mas comprando o Brasil”.

Em Pequim, a sensação foi de alívio quando a retórica não virou medidas concretas após as eleições. Recentemente houve até um sinal positivo quando o Brasil apoiou o candidato chinês para a presidência da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).


Balança comercial entre China e Brasil

Em 2018, 26,7% das exportações brasileiras foram para o país asiático.

No mesmo ano, o país importou 19,2% de produtos chineses, o que deu ao Brasil um superávit de US$ 29,20 bilhões na balança comercial.

A China é o maior parceiro do Brasil para exportação e importação.

China antes, China agora

População em 1980
981,2 milhões

População em 2018
1,3 bilhão

Renda per capita em 1980
US$ 309

Renda per capita em 2018
US$ 9.610

Fonte: FMI e Banco Mundial


NO ORIENTE MÉDIO, DIPLOMACIA TENTA APARAR ARESTAS

A terceira parada de Jair Bolsonaro em sua turnê pela Ásia será o Oriente Médio. Na região, ele começará o giro por Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, seguirá para Doha, no Qatar, e terminará em Riad, na Arábia Saudita.

Bolsonaro será uma das estrelas da conferência de investidores conhecida como “Davos no Deserto”, que acontece na capital saudita. Também é aguardado o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.

No ano passado, o encontro sofreu forte boicote internacional devido ao assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, que foi esquartejado no consulado da Arábia Saudita em Istambul, supostamente a mando do príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman.

A avaliação do governo é que o assassinato do jornalista é um assunto que deve ser abordado nos órgãos internacionais de direitos humanos, e o presidente não viu razão para recusar um convite do país.

Durante a visita pelo Oriente Médio, a missão da diplomacia brasileira é aparar as arestas que ficaram do início do gestão, quando o Brasil chegou a anunciar que planejava transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém.

O assunto é considerado um tabu, já que palestinos e israelenses disputam a posse da cidade, considerada sagrada pelo islamismo e pelo judaísmo. A reação do mundo árabe foi tão forte que o presidente acabou recuando.

Outro objetivo é atrair investimentos dos bilionários fundos soberanos dos árabes. Esses fundos buscam diversificar seu portfólio, ainda bastante concentrado nos Estados Unidos e na União Europeia, enquanto o Brasil precisa muito de investidores em suas obras de infraestrutura.