Como na Europa, curva de óbitos nos EUA sinaliza rumo ao Brasil

Como na Europa, curva de óbitos nos
EUA sinaliza rumo ao Brasil
Nos dez estados americanos mais afetados no 1º semestre, mortes hoje
equivalem a 13% do pico; nos menos, a 501%
30.out.2020 às 12h00
SÃO PAULO
Fernando Canzian
O avanço da pandemia do coronavírus nos Estados Unidos vem repetindo
o mesmo padrão da Europa, com os locais menos afetados inicialmente
concentrando agora a maioria dos mortos.
Nos dez estados que sofreram mais no primeiro semestre, como Nova York e Nova
Jersey, o total de óbitos hoje equivale a apenas 13% do pico. Nos dez inicialmente mais
poupados, como Texas e Idaho, a taxa é de 501%.
Na Europa, que vem adotando novas medidas restritivas à circulação, os países mais
afetados no início do ano registram hoje cerca de 1/5 das mortes em relação ao pico e
40% das hospitalizações.
Na Itália, a região da Lombardia, duramente castigada no começo, tem hoje 18% das
internações em UTIs em relação à pior fase. Na Sicília, antes poupada, 132% mais.
O comportamento das curvas de óbitos nos dois lados do Atlântico Norte é considerado
fundamental para o Brasil se preparar para os próximos meses.
Na maioria dos estados brasileiros, o número de mortes permaneceu elevado por um
período longo, numa espécie de platô, o que pode sinalizar a possibilidade menor de
repique.
Mantidos os padrões norte-americano e europeu, regiões e municípios brasileiros menos
afetados no começo devem se preocupar mais com o aumento de casos, mantendo, por
exemplo, as estruturas de saúde.
30/10/2020 Como na Europa, curva de óbitos nos EUA sinaliza rumo ao Brasil – 30/10/2020 – Equilíbrio e Saúde – Folha

Reportagem da Folha nesta semana mostrou que o Brasil já fechou 65% dos leitos de
UTI abertos desde o início da pandemia —que diminuíram de 14.843 para 5.233.
Os EUA têm cerca de 330 milhões de habitantes. Os estados mais afetados nos primeiros
seis meses do ano e que agora têm as mortes relativamente controladas concentram
menos de um quarto da população (74 milhões).
O restante vive, portanto, em regiões que ainda podem registrar aumentos significativos
de mortes.
Sem contar os 20 estados mais ou menos afetados no primeiro semestre, há cerca de 211
milhões de pessoas em regiões com óbitos em alta. Nesses locais, as mortes já
representam 137% em comparação ao pico.
Os dados, compilados pelo Instituto Estáter a partir de fontes oficiais, mostram que os
estados mais afetados desde o início contabilizam cerca de 1.300 óbitos por milhão de
Enfermeira aplica teste de Covid-19 em sistema drive-through em El Paso, no Texas – Paul
Ratje – 27.out.20/Reuters
30/10/2020 Como na Europa, curva de óbitos nos EUA sinaliza rumo ao Brasil – 30/10/2020 – Equilíbrio e Saúde – Folha
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habitantes. Nos demais (com quase 260 milhões de habitantes), as mortes consolidadas
equivalem a menos de 500 por milhão.
A média móvel de novos casos nos últimos sete dias nos EUA atingiu seu maior nível
desde o início da epidemia e está em torno de 70 mil. As hospitalizações também
cresceram, com mais de 40 mil internados por uma semana consecutiva, o que não
ocorria desde agosto.
Segundo a Universidade Johns Hopkins, na média dos últimos sete dias, os novos casos
nos EUA cresceram 23%; muito acima dos 2,9% de aumento no total de testes.
“Há uma desigualdade pandêmica grande nos Estados Unidos, o que pode indicar o risco
de uma onda de infecções ainda prolongada”, diz Pércio de Souza, presidente do Estáter,
que acompanha a evolução da epidemia de forma detalhada e regionalizada desde o
início.
“As evidências dos dados também mostram que medidas restritivas como confinamento
podem protelar o impacto da infecção quando implementadas tempestivamente. Mas não
têm se mostrado solução definitiva para evitar a curva pandêmica.”
Em sua opinião, os governos vêm fracassando em adotar reações mais equilibradas que
preparem e conscientizem a população para a convivência com o vírus.
Infectologistas ouvidos pela Folha consideram fundamental acompanhar as curvas de
infecções e mortes na Europa e nos EUA para que o Brasil se prepare para as próximas
semanas e meses. Com um total de mortes perto de 160 mil, o Brasil hoje registra,
segundo a média móvel, cerca de 450 óbitos diários, o menor patamar desde maio.
Para Esper Kallás, médico e professor da Faculdade de Medicina da USP, o
comportamento epidemiológico da Covid-19 segue o roteiro de o vírus infectar pessoas
em locais mais suscetíveis, e onde ainda não havia circulado tanto.
Segundo ele, não existem até aqui evidências importantes sobre casos de reinfecção, o
que poderia explicar o ressurgimento da epidemia e das mortes em locais já bastante
afetados.
“Mas é óbvio que a retomada das atividades favorece a circulação do vírus em todos os
lugares.”
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Segundo Ederlon Rezende, conselheiro da Associação de Medicina Intensiva Brasileira
(Amib), o cenário brasileiro para enfrentar um eventual repique de casos seria mais
tranquilo diante do aprendizado das equipes médicas em lidar com o vírus e os pacientes.
Na chefia da UTI do Hospital do Servidor Estadual, em São Paulo, Rezende contabiliza
dez pacientes com necessidade de ventilação mecânica hoje, ante 70 nos picos de junho e
julho.
“Já sabemos que as chances de contaminação em locais abertos são muito menores. Com
a chegada do verão no Brasil, o risco pode diminuir”, diz.
Gerson Salvador, infectologista do Hospital Universitário da USP, alerta, no entanto, que
o verão europeu, com cenas de aglomerações e gente sem máscara, pode ter contribuído
para o repique da epidemia.
Pesquisa do governo da França mostrou que, em meados de maio, 72% das pessoas
evitavam aglomerações e encontros pessoais. Em setembro, a taxa havia caído para 32%.
“Onde está havendo flexibilização, o importante é não relaxar nos cuidados”, afirma.
Para Paulo Lotufo, epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP,
mesmo nos locais já mais duramente afetados, não se pode considerar que a população
tenha adquirido a chamada imunidade coletiva —que só seria possível com uma vacina
realmente efetiva.
Lotufo afirma, porém, que a redução ou desaparecimento de anticorpos contra o
coronavírus em pessoas já infectadas, como algumas pesquisas vêm mostrando, não
significa a perda de imunidade.
“Existe todo um sistema de memória no organismo que, ao se deparar novamente com o
vírus, pode ser reativado

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