Paloma, sobrevivente de Brumadinho: “Não escutei meu filho falar mamãe”

Paloma, sobrevivente de Brumadinho: “Não escutei meu filho falar mamãe”

Um mês após a tragédia no município mineiro, jovem de 22 anos conta o drama de perder, de uma só vez, marido, filho, irmã e o lar da família

Cristina Serra/Metrópoles

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Cristina Serra

CRISTINA SERRA

Brumadinho (MG) – Paloma Prates da Cunha Máximo tem 22 anos e todas as dores do mundo. Ela estava em casa com o marido, Robson, 26 anos; o filho, Heitor, de 1 ano e meio; e a irmã, Pâmela, 13, quando a lama da barragem da Vale atingiu com estrondo e fúria a casa onde moravam, no distrito do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).

No momento da tragédia, marido e mulher assistiam televisão no quarto, depois do almoço. O bebê e a irmã de Paloma estavam na sala. A jovem mãe chegou a ouvir um barulho muito forte e pensou se tratar de um caminhão desgovernado. Antes que pudesse verificar, a lama bateu na casa, derrubando as paredes. Foi tudo tão abrupto que Paloma sequer teve tempo de carregar o filho e tentar correr. Em poucos segundos, os quatro foram tragados para a escuridão da enxurrada de rejeitos de minério de ferro.

“Não escutei meu filho falar mamãe. Não tive tempo de salvar meu filho”, recorda Paloma, com a voz trêmula, um mês depois da tragédia que invadiu sua vida. Dos quatro parentes, ela é a única sobrevivente. Um dia depois do rompimento da barragem, as equipes de busca encontraram o corpo de Robson a três quilômetros da casa da família. Foi enterrado num caixão lacrado.

Paloma não pôde ir ao enterro. Estava hospitalizada, com o nariz e o osso esterno, no tórax, fraturados, e dezenas de cortes, escoriações e hematomas. Já fora do hospital, ela pôde acompanhar o sepultamento da irmã, também em caixão lacrado, no dia 8 de fevereiro. Falta encontrar o corpo do pequeno Heitor.

“Tive muita esperança de encontrar os três vivos. Eu pensava que, como eu sobrevivi, eles também poderiam ter se salvado. Agora, quero encontrar meu filho e dar um enterro digno pra ele. Peço muito a Deus pra encontrar meu filho”, diz Paloma, que está vivendo com os pais, Lucilene e Lucimar, em um imóvel alugado pela Vale.

Veja fotos da família:

Só tristeza
Na casa ampla, em condomínio cercado por uma mata, na zona urbana de Brumadinho, tudo é tristeza e luto. Lucilene, que perdeu a filha, o neto e o genro, não consegue se conformar, principalmente por não ter visto o corpo de Pâmela. “Na minha cabeça, não era ela que estava lá dentro. Fica mais difícil de aceitar”, lamenta a mãe.

Lucilene e o marido estavam em casa, a cerca de 500 metros do lar de Paloma, na hora do desastre. O agricultor também ouviu um barulho e achou se tratar de um trator ou qualquer outra máquina pesada passando por perto, como era comum. A residência deles escapou por pouco da lama. Quando Lucimar se deu conta do que aconteceu, correu para a casa da filha. Ao chegar, deparou-se com a devastação. Achou que estava no lugar errado. Ficou se perguntando por algum tempo: “Cadê a casa da minha filha?”.

A casa, todos e tudo que havia dentro já tinham sido levados pela avalanche de rejeitos. Paloma foi arrastada por cerca de 300 metros, a distância de onde estava até o pontilhão da Vale, que transportava minério de ferro e também acabou destruído. “Era como se eu fosse empurrada. As coisas vão batendo. Eu só ia sendo levada, como se estivesse sendo atropelada, engolindo lama, e não via nada”, recorda.

Perto do pontilhão, ela conseguiu botar a cabeça para fora da lama e respirar. Nesse momento, viu quando uma das pilastras ruiu, abalada pela torrente de rejeitos, e parte da estrutura desabou. Paloma estava perto de outra pilastra, atolada na massa de rejeitos, próxima à margem e à estrada que passa por ali.

“Pedia a Deus para me salvar e salvar minha família. Eu mal conseguia me mexer, sentia muita dor”, conta a jovem. Foi quando dois funcionários da Vale, que passavam pelo local, viram que havia uma pessoa precisando de socorro. Um deles, Claudinei Coutinho, jogou uma corda para puxá-la e o outro filmou a cena, exibida na mídia e nas redes sociais (veja abaixo).

A imagem mostra a figura fantasmagórica de Paloma, quase sem forças para se mover, impedida pelas dores e pelo peso da lama em suas roupas e no corpo todo. Lentamente, a moça consegue se arrastar até a metade do caminho. Claudinei caminha a outra metade sobre os rejeitos até alcançá-la e carregá-la.

Ajuda para seguir
Paloma ficou cinco dias internada. Quando recebeu alta, foi para a casa de parentes numa cidade próxima, Ibirité. Mais de 10 dias depois do desastre, uma assistente social e uma psicóloga da Vale a procuraram. “Isso porque um amigo meu, sabendo da minha situação, procurou pessoas que ele conhece na Vale e falou de mim”, diz Paloma.

Só então, a empresa a levou para um hotel em Brumadinho e depois a instalou com os pais na casa de condomínio onde estão hoje. E apenas agora, um mês depois do desastre, Paloma tem a promessa da empresa de receber assistência psicológica semanal, a partir desta segunda-feira (25/2). Assim, ela espera conseguir lidar com tantas perdas. “No momento, tenho que ter ajuda”, admite.

Paloma recorre às lembranças para encontrar algum alento e consegue dar um sorriso tímido ao falar do marido. Ela conheceu Robson quando tinha 14 anos. “Foi amor à primeira vista. Trocamos celulares, namoramos três anos, noivamos um ano e casamos”, resume. Robson era auxiliar de serviços gerais na pousada Nova Estância (destruída pela lama), e o casal foi morar numa casa dos donos do estabelecimento, no mesmo terreno.

“Quando a gente casou, não tinha quase nada. Fomos comprando tudo devagar: os móveis, carro, moto e um lote pra construir a nossa casa. Fizemos tudo juntos, aprendemos juntos. A gente dava muito certo”, afirma. Eles tinham dois sonhos: construir a própria casa e ter um filho. Adiaram os planos da casa e veio Heitor. “Eu queria muito ser mãe. A vida estava no ponto que a gente queria. Veio a lama e acabou com tudo”, relata a jovem.

Paloma conta que nunca teve medo de morar perto da barragem. O sítio era tranquilo e silencioso, com muita mata por perto. As coisas começaram a mudar quando, segundo recorda, a Vale fez um treinamento para emergências, em outubro de 2018, e um levantamento dos bens dos moradores caso houvesse um acidente e precisasse indenizar as pessoas.

“A gente ficou com medo, mas pensava que já tinha acontecido em Mariana [em 2015], que teriam mais cuidado e não ia acontecer aqui. E a gente achava que, se a sirene tocasse, daria tempo pra gente correr”, diz a sobrevivente. A sirene não tocou. A lama ficou na pele de Paloma por muitos dias.

“Por causa dos ferimentos, eu não podia esfregar. A minha pele ficou assim ‘areiosa’”, resume. Ela fez uma cirurgia no nariz e diz que ainda sente dores no peito e nas costas. Também trincou o punho esquerdo e terá que fazer fisioterapia no braço direito. Toma remédio para dormir e não sabe quando terá condições de voltar ao trabalho como coordenadora num restaurante.

Paloma fala com serenidade sobre o que está vivendo, reflexo, talvez, de um amadurecimento precoce. Ela começou a trabalhar aos 11 anos, primeiro como babá, depois como auxiliar de cozinha e balconista, sem nunca abandonar os estudos, tendo concluído o ensino médio. Enquanto dá entrevista, ela alisa várias vezes as duas alianças que tem no anelar esquerdo, a dela e a do marido, que conseguiu recuperar.

Do filho, tem algumas poucas fotos que estavam com os pais e outros parentes. “Eu não gostava de me expor em rede social, nem o Robson. Eu guardava as fotos no meu celular. Agora, vai ficar tudo só na memória”, resigna-se. Na orelha esquerda, ela usa o brinco que a irmã, Pâmela, usava quando morreu. Pretende tatuar os nomes dos três entes queridos mortos junto à outra tatuagem que ela já tem com os nomes dos pais.

Paloma se agarra à esperança de encontrar o corpo do filho. Só depois disso acha que será capaz de olhar para a frente. “Eu tive muitos planos para o meu futuro, era feliz, não precisava pedir nada pra ninguém. Quero minha vida de volta”, encerra.

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