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Dois meses após o início do surto da Covid-19, a China está muito próxima de alcançar a contenção da propagação, enquanto outros países enfrentam um aumento exponencial dos números de infectados e mortos. A inversão do cenário desencadeou casos de hostilidade contra estrangeiros dentro do território chinês.

Expatriados que permaneceram ou retornaram ao país passaram a relatar, em redes sociais como Instagram e WeChat, episódios de preconceito e de certo medo por parte dos chineses em relação aos que vêm de fora “trazendo o vírus de volta para a China.”

E uma decisão recente do governo chinês contribuiu para acentuar esse tipo de comportamento, classificado como pontual pela maioria dos entrevistados por ÉPOCA. Na última quinta-feira (26), o Ministério das Relações Internacionais da China anunciou a suspensão temporária da entrada de estrangeiros em território chinês. A proibição afeta todos os imigrantes, com exceção dos que transitam com vistos diplomáticos.

Xangai: cidades na China conseguiram conter propagação Foto: Yves Dean / Getty Images
Xangai: cidades na China conseguiram conter propagação Foto: Yves Dean / Getty Images

O primeiro caso de hostilidade a viralizar ocorreu em Xangai, na Rua Wuding, famosa por bares e pubs que estão sempre lotados de estrangeiros. Pouco tempo após o pico de casos novos da doença, um bar divulgou um aviso de proibição de estrangeiros no local, que surpreendeu a comunidade de expatriados que representam grande parte dos clientes dos estabelecimentos da região. “Quando vi não acreditei. Eu e meus amigos somos clientes fiéis de lá, o saguão sempre lota de gente de fora. Achei um tiro no próprio pé”, conta um estudante sérvio que reside no Centro da Xangai, nos arredores da famosa rua.

Uma brasileira residente na cidade de Changchun, na região central da China, compartilhou um comunicado da rede de academias que frequenta: o estabelecimento permanece aberto, mas apenas para os chineses. No anúncio, a empresa alega que a ação foi recomendada pelo governo e que a suspensão da entrada de clientes estrangeiros fica em vigor até que a situação esteja contida novamente. A imagem, compartilhada nas redes sociais, causou indignação entre os expatriados.

Academia de ginástica diz que acesso foi negado a estrangeiros por orientação do governo Foto: Reprodução
Academia de ginástica diz que acesso foi negado a estrangeiros por orientação do governo Foto: Reprodução

Os relatos se repetem em um grupo online de suporte para mulheres imigrantes em Xangai. Um grupo de estudantes russas compartilhou a dificuldade para obter serviços de estética. “A manicure que vou há anos não quer me atender por enquanto”, contou uma delas.

IGNORADOS POR ATENDENTES EM RESTAURANTES

De acordo com relatos de outras participantes do grupo, conseguir uma mesa em restaurante também se tornou um desafio para estrangeiros, que muitas vezes são ignorados pelos atendentes.

“Eu estou com a impressão de que todos me detestam. Vejo pessoas arrumando suas máscaras para mais perto do rosto e se afastando sutilmente toda vez que percebem minha presença na calçada”, relatou uma mulher do grupo de Xangai, que retornou recentemente do Reino Unido.

A rejeição aos estrangeiros foi constatada também em hotéis das principais cidades do país. Moradores estrangeiros de Xangai, Guangzhou e Ningbo apontam situações de conflito como a recusa na prestação de atendimento ao hóspede.

Cidadãos chineses voltam a usar transporte público em retorno ao trabalho em Guangzhou Foto: Anadolu Agency / Getty Images
Cidadãos chineses voltam a usar transporte público em retorno ao trabalho em Guangzhou Foto: Anadolu Agency / Getty Images

Desde o início de março, a China implementou um sistema de controle online, via aplicativo, que obriga cidadãos a obterem códigos que precisam ser apresentados na entrada de condomínios e locais públicos.

Os códigos verdes representam aqueles que já cumpriram quarentena ou não emigraram do país. As cores amarelo e vermelho são para aqueles ainda em processo de verificação ou isolamento. Uma brasileira de Shanghai relata um preconceito sem fundamento. “Tentei fazer check-in recentemente e não consegui, mesmo com o código verde. Não saí da China, apenas mudei de cidade”, explica.

TAXISTAS SE RECUSAM A LEVAR ESTRANGEIROS

Ana Nasguewitz reside em Hohhot, cidade com menos de 3 milhões de habitantes na região Norte da China. Ela já completou seis anos como residente na China e conta que, antes do surgimento do coronavírus, nunca tinha vivenciado ou ouvido histórias de preconceito contra estrangeiros.

Fila para pedidos em farmácia na cidade de Hohhot Foto: China News Service / Getty Images
Fila para pedidos em farmácia na cidade de Hohhot Foto: China News Service / Getty Images

Recentemente, ela compartilhou em suas redes sociais alguns casos vivenciados por pessoas de sua comunidade. Alguns taxistas da cidade onde reside estão se recusando a levar passageiros estrangeiros. Ela menciona até mesmo o caso de estrangeiro que acabou expulso de dentro do veículo. “Moro numa cidade pequena para padrões chineses. As pessoas são menos informadas e tendem a ter um pensamento mais fechado”, afirma.

A brasileira conta que frequenta mercados e restaurantes sem enfrentar problemas. Explica que o comportamento de exclusão não é recorrente, mas existem casos pontuais. “No último domingo, fui visitar um templo e um senhor local começou a tentar conversar comigo de longe. Como não entendia perfeitamente o que ele falava, comecei a me aproximar”, conta Ana. “A partir do momento em que ele me viu andando em sua direção, pediu para eu não me mexer mais e começou a se afastar de mim.”

ITALIANO EXPULSO DE ALOJAMENTO EM UNIVERSIDADE

Um estudante italiano que preferiu não ser identificado também virou alvo de um conduta intolerante. Residente no campus de sua universidade em Xangai, ele era um dos poucos alunos internacionais dentro das moradias estudantis que são, em grande parte, habitadas por estudantes locais.

“Decidi um dia sair para tomar um café e comer algo diferente e, quando retornei, fui impedido de entrar no meu próprio dormitório”, conta. O intercambista precisou retornar a sua cidade natal, na Itália, e questiona se alunos locais sofreram as mesmas consequências. “Optei por acatar porque não quero problemas”, disse ele a ÉPOCA.

No extremo norte do país, na região autônoma que faz fronteira com a Mongólia, uma loja da uma rede internacional de fast food divulgou na entrada do estabelecimento a restrição de prestação de serviços para estrangeiros. Imagens do aviso se multiplicaram pelas redes sociais chinesas.

Os estrangeiros também mencionam os casos de shoppings que passaram a exigir documento de identidade na entrada com o objetivo de restringir acesso apenas aos chineses.