Ação contra líderes do PCC inaugura dobradinha BolsoDoria

       
 

Ação contra líderes do PCC inaugura dobradinha BolsoDoria

Transferência de líderes da facção foi pedida pelo Ministério Público. Para especialista, ato é ineficaz e gerará reação de criminosos

“O Estado não será refém do crime. O crime será refém do Estado”, comemorou o governador João Doria(PSDB) ao anunciar a transferência dos principais líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC) para presídios federais. Estreia oficial da dobradinha BolsoDoria no poder, a ofensiva também é a primeira conduzida por Sergio Moro contra as facções criminosas.

Mas a iniciativa não é obra de nenhum dos três: trata-se, na verdade, do cumprimento de um pedido da Justiça paulista e do Ministério Público Estadual feito em novembro.

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Marcos Williams Herbas Camacho, o Marcola, e outras 21 lideranças deixarão o sistema prisional paulista para se espalhar por prisões de todo o Brasil. Não foram divulgados os endereços, mas, nesta quarta 13, o governo autorizou o uso das Forças Armadas para cumprir a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) nas penitenciárias de Mossoró (RN) e Porto Velho (RO). Marcola, apontado como chefe máximo da facção, deve ser levado a Brasília.

Os presos ficarão por dois meses em isolamento total e com direito a 2 horas por dia de banho de sol – como prevê o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). De acordo com o governo paulista, a ação era planejada há cinquenta dias.

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O então governador Márcio França foi contra a transferência por temer reações violentas da facção, como o ‘salve geral’ de 2006, que resultou em centenas de ataques e deixou 564 mortos.

Para o pesquisador Adalton Marques, autor do livro Crime e Proceder e doutor em Antropologia pela UFSCar, essa nova face da ‘guerra’ travada pelo governo contra o crime é pouco eficaz. “Estamos ampliando o espaço para tratar pessoas não mais como presos, mas como inimigos. Sempre que se impõe esse tipo de tratamento, a reação é enorme”, avalia.

MARCOS CAMACHO, O MARCOLA: DE PRESIDENTE WENCESLAU PARA BRASÍLIA

Marques aponta que os governos falham há muito tempo na segurança pública. Em grande parte porque reduziram o combate ao crime à sofisticação dos mecanismos institucionais (mais presídios, polícia, execução penal), ignorando as dinâmicas que fazem florescer a criminalidade como alternativa econômica a uma fração da parcela mais pobre da sociedade.

A partir dos anos 80, explica, a produção acadêmica que tratava dessa dicotomia passou a ser considerada “marxista vulgar”, e perdeu valor na produção de políticas públicas. “Para justificar tudo isso, foi gestado o medo do trombadinha, depois da criminalidade violenta, do narcotráfico e, agora, das facções criminosas.”

“Na época do PT e do PSDB, tínhamos um punitivismo de face humanista. Agora, vemos esse punitivismo técnico, moral, reflexo de um juridiquês estreito. O pacote anticrime vai produzir mais encarceramentos de pretos, pobres e periféricos”, critica.

Ele defende que, desde as primeiras ações públicas da facção, o Estado deveria discutir publicamente as ações do grupo e suas reivindicações sobre as condições do sistema carcerário. “Assim como percebeu-se que o guerra às drogas falhou, talvez um dia descobriremos que a guerra ao crime organizado não está sendo conduzida da maneira mais adequada.”

Visitas

Também nesta quarta-feira, o Ministério da Justiça endureceu o regime de visitas nos presídios federais. A portaria estabelece que os internos só poderão conversar com parentes via videoconferência ou parlatório – no qual o preso e o visitante ficam separados por um vidro e um interfone. Antes, era regra que essas visitas ocorressem em um pátio. Com a mudança, a visita com contato pessoal vira exceção.

Todas essas mudanças devem aumentar a tensão dentro do sistema carcerário, avalia o pesquisador, mas é difícil prever qual será a reação do comando. “Seja por ação violenta ou silenciamento, a única certeza é que eles vão efetuar uma resistência. E o terreno de combate é o único deixado a eles.”

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