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Paraguai e Venezuela vão às urnas

O que as vindouras eleições representam para a América Latina

ARIEL PALACIOS
20/04/2018 – 08h01 – Atualizado 20/04/2018 11h13
O candidato a presidente do Paraguai Mario Abdo Benítez, do Partido Colorado, é o favorito para o pleito deste 22 de abril (Foto: JORGE ADORNO/REUTERS)O candidato a presidente do Paraguai Mario Abdo Benítez, do Partido Colorado, é o favorito para o pleito deste 22 de abril (Foto: JORGE ADORNO/REUTERS)
O Prêmio Cervantes de 1989, o paraguaio Augusto Roa Bastos, cuja obra dissecou a personalidade dos caudilhos de seu país, costumava referir-se a esses ditadores militares e presidentes civis como os “monoteístas do poder”. Esse “monoteísmo” é a essência do Partido Colorado, que comandou o Paraguai entre 1946 e 2008, com um breve intervalo até 2013 e de novo até o momento. Ao que tudo indica, o sucessor do presidente colorado Horacio Cartes, que será eleito no domingo 22 de abril, será, mais uma vez, um representante desse partido. O próximo a ser chamado de “Che Ruvicha” — “Meu chefe”, em guarani, um dos dois idiomas oficiais do Paraguai — seria Mario “Marito” Abdo Benítez, que conta com intenção de voto de 55,7%, segundo a consultoria Grau & Associados.
O 2º colocado, com 31,4% das intenções de voto, é Efraín Alegre, o candidato de uma coalizão de oposição formada pelo tradicional Partido Liberal Radical Autêntico, de centro, e a Frente Guasú, de esquerda. Outros 10% permanecem indecisos, enquanto 2,9% destinariam seus votos a outros oito candidatos de partidos pequenos. “A campanha eleitoral transcorreu em clima calmo, quase um tédio”, ilustrou Gustavo Ibarra, presidente da Associação de Ciências Políticas em Assunção.
Os Liberais e a Frente foram aliados brevemente em 2008, quando deram uma guinada na política paraguaia ao derrotar, pela primeira vez, o Partido Colorado. O eleito foi o ex-bispo Fernando Lugo. Foi a primeira vez em que houve uma alternância política no Paraguai pelas vias democráticas em 200 anos de história. Todas as outras trocas de poder mantiveram-se dentro dos mesmos partidos ou foram mudanças pela força militar.
Em 2012, Lugo foi alvo de um impeachment, e o vice-presidente Federico Franco, do PLRA, assumiu o poder. A Frente Guasú chamou o PLRA de “golpista” e “fascista”, enquanto os liberais acusavam os aliados de Lugo de “corruptos” e “bolivarianos”. O divórcio de ambas as forças parecia definitivo. Mas meia década depois fizeram de conta que a troca de acusações nunca existiu e formaram uma nova coalizão para enfrentar os colorados.
Essas viradas políticas não impressionam os paraguaios, que — tão acostumados à mimetização política de seus líderes — até possuem outro termo em guarani para designá-las, o “yvytuísmo”, que vem de “yvytu” (“vento”) e indica o político que está sempre a favor do vento que sopra. Isto é, um político que na semana passada podia ser um frenético liberal, dias depois poderia alardear ser o mais fervoroso colorado. “Tudo é questão de aderir fervorosamente à corrente eólica predominante”, ironizava anos atrás o já falecido sociólogo paraguaio Helio Vera.
Marito tornou-se candidato colorado ao derrotar o delfim de Cartes, Santiago Peña. Mas, após vencer a convenção partidária, deixou de lado as críticas ao presidente e passou a rasgar elogios sobre sua gestão. “O Partido Colorado tem a virtude de ser problema e solução ao mesmo tempo; de ser governo e oposição simultaneamente. Esse poder centrípeto acaba indefectivelmente concentrando as atenções do debate político”, sustentou o cientista político Marcos Pérez Talia. Ou, como dizia o ideólogo colorado Natalicio González, todas as forças internas do partido fazem o possível pelo “coloradismo eterno”.
Marito propõe reduzir os impostos aos empresários que desejem investir no Paraguai e reimplantar o serviço militar, com o objetivo de “reduzir a criminalidade”. Na contramão, Alegre propõe uma reforma tributária equitativa, incentivar a agricultura familiar camponesa e exigir do Brasil e da Argentina melhores pagamentos pela energia elétrica que o lado paraguaio produz nas hidrelétricas binacionais de Itaipu e Yacyretá.
Marito Abdo Benítez é filho do ex-secretário do ex-ditador e general Alfredo Stroessner, Mario Abdo, que nos tempos da ditadura militar era definido como “extremamente obediente” e “perigosamente burro”. Um dos causos que circulavam na época da ditadura — contados pelo escritor britânico John Gimlette no livro At the tomb of the inflatable pig — era que Mario Abdo estava um dia passando as calças do chefe quando o telefone tocou e ele queimou uma orelha ao confundir o ferro de passar com o fone. Quando lhe perguntaram como havia queimado a outra orelha, ele respondeu: “Bom, tinha de ligar para a ambulância, não é?”.
Além de definir o novo presidente, os paraguaios renovarão o cargo de 17 governadores, 45 senadores e 80 deputados. Esta é a sétima eleição que os paraguaios realizam desde o fim da ditadura de Stroessner, em 1989.
O Paraguai foi marcado por um superávit de ditaduras desde sua independência em 1811. A primeira, iniciada em 1813, foi protagonizada por Gaspar de Francia, denominado de “El Supremo”. Depois o Paraguai foi governado desde 1844 até 1862 com mão de ferro pelo obeso Carlos Antonio López, que exigia ser chamado de “El Excelentísimo”. Após seu falecimento, seu filho, Francisco Solano López, “El Mariscal” (“O Marechal”) chegou ao poder e em 1865 desatou a Guerra da Tríplice Aliança (mais conhecida no Brasil como a Guerra do Paraguai), a mais devastadora da história da América do Sul, que reduziu a população paraguaia de 1,5 milhão de habitantes a somente 230 mil.
Pouco depois, quando o país começava a se recuperar, uma guerra civil assolou o Paraguai em 1874. Outras guerras civis repetiram-se em 1904, 1908, 1912, 1920, 1921 e 1922. Entre 1932 e 1935 o país esteve em guerra com a Bolívia pela disputa do Chaco. Outra guerra civil foi realizada em 1947. Esta última, a mais sangrenta de todas, possibilitou que em 1954 o general Alfredo Stroessner, autodenominado de “El Continuador”, chegasse ao poder, inaugurando uma ditadura de 35 anos de duração que assassinou entre 4 mil e 5 mil civis e centenas de milhares de exilados.
A volta à democracia não foi um mar de rosas. Stroessner foi derrubado em 1989 pelo próprio consogro, o general Andrés Rodríguez, posteriormente eleito nas urnas. Ele foi sucedido por um civil, Juan Carlos Wasmosy (um dos “barões de Itaipu”, denominação dos engenheiros que enriqueceram durante a construção da hidrelétrica), cujo governo foi marcado por escândalos de corrupção. Seu sucessor foi Raúl Cubas Grau, cujo governo terminou um ano após se iniciar, no meio de uma revolta popular após o assassinato do vice-presidente Luis María Argaña, em 1999. Seu mandato foi concluído pelo presidente do Senado, Luis González Macchi, que mergulhou seu governo em escândalos de desvio de dinheiro e da posse de um carro de luxo roubado no Brasil. Em 2006, fora do poder, foi condenado à prisão por corrupção, mas apelou da sentença e foi liberado. Seu sucessor foi Nicanor Duarte Frutos, sucedido cinco anos depois pelo ex-bispo Fernando Lugo, alvo de um impeachment em 2012. Foi substituído provisoriamente pelo vice, Franco, que um ano e meio depois foi sucedido pelo atual presidente, Cartes.
As eleições no Paraguai teriam um resultado favorável aos interesses brasileiros nesse país, já que Marito não tem o perfil de insistir de forma enfática na velha demanda paraguaia de revisar os acordos de Itaipu (setores paraguaios, entre eles o candidato opositor Efraín Alegre, consideram que o Brasil não paga pelo valor de mercado da energia que o Paraguai reenvia aos brasileiros). Além disso, ficaram definitivamente enterrados no passado os planos de reforma agrária timidamente anunciados há uma década pelo então presidente Lugo. Desta forma, os latifundiários brasileiros instalados no Paraguai não correm riscos.
Enquanto os paraguaios vão às urnas com um cardápio variado de alternativas (mas com a tendência a votar no continuísmo), os venezuelanos — em meio à maior crise econômica de sua história — comparecerão aos centros de votação daqui a um mês para definir o novo presidente da República com um leque mínimo de alternativas.
Os principais candidatos da oposição estarão ausentes desse embate eleitoral. Uns, como Leopoldo López, não podem ser candidatos à Presidência porque estão presos. Outros, como Henrique Capriles, foram inabilitados pela Justiça em processos controvertidos nos quais os promotores não apresentaram provas concretas. Além deles, diversas lideranças opositoras tiveram de partir para o exílio. Os líderes opositores restantes não possuem estruturas partidárias (nem verbas ou popularidade) para enfrentar o governo nas urnas e declararam boicote às eleições que consideram plenas em irregularidades.
Nicolás Maduro enfrenta-se formalmente contra quatro candidatos, todos de passado chavista. Desses, três são desconhecidos para o grande público. Apenas um, o governador chavista dissidente Henri Falcón, teria alguma chance eleitoral. No entanto, Falcón — que acusa Maduro de ter traído os “ideais” de Hugo Chávez — não entusiasma os eleitores da oposição tradicional, que não digerem os chavistas.
Entre os venezuelanos dispostos a votar, segundo a consultoria Delphos, Maduro teria 42% de apoio, enquanto Falcón contaria com 30%. A Delphos indica, no entanto, que, se a oposição tivesse condições normais de competir (com a participação de líderes opositores que atualmente estão presos, com espaço na mídia hoje controlada pelo chavismo e com a fiscalização de observadores internacionais na apuração dos votos), venceria com 66% dos votos, contra 33% do governo. Outra pesquisa, da Hinterlaces, afirma que 52% votariam em Maduro, enquanto 22% votariam em Falcón.
Maduro ignora as reclamações da oposição. No ano passado anulou o poder do Parlamento (que tinha maioria opositora) ao substituí-lo pela Assembleia Constituinte. O Parlamento havia sido eleito em dezembro de 2015, e o mandato dos deputados, que tomaram posse em janeiro de 2016, terminaria em janeiro de 2021. Mas, por decisão de Maduro, o mandato dos deputados será encolhido para dois anos — mas só desta vez, com a coincidência de que são opositores. Os deputados eleitos daqui a um mês terão mandato normal de cinco anos. Apesar da impopularidade de Maduro, a expectativa é de elevada abstenção dos eleitores, que pretendem protestar contra o autoritarismo do regime. Segundo Jennifer Cyr, professora de ciências políticas do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Arizona, com as eleições do 20 de maio os venezuelanos encaminham-se para o “réquiem da democracia”.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, saúda populares. A eleição no país foi chamada de “réquiem da democracia” (Foto: MIRAFLORES PALACE/HANDOUT/REUTERS)O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, saúda populares. A eleição no país foi chamada de “réquiem da democracia” (Foto: MIRAFLORES PALACE/HANDOUT/REUTERS)



 

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